Terror feminino: como a fobia à gravidez paralisa a vida de mulheres no século XXI
A insegurança em métodos contraceptivos e a falta de diálogo no ambiente familiar pode afetar diariamente mulheres com ou sem a vida sexual ativa.
Por Brenda Nicole, Karina Oliveira e Vitória Lázaro*
Especial para portalfalcon.com
Publicado em 19/06/2023
Frases como “engravidei tomando pílula”, “o bebê nasceu com o DIU grudado na cabeça”, “nenhum médico vai querer fazer uma laqueadura em você”, e tantas outras fazem parte de um rosário cada vez mais frequente da vida da mulher moderna. Uma vida na qual carreira, relacionamentos, família, estudos, hobbies e uma dezena de outras atividades competem com a função social quase compulsória da maternidade. E é nesse cenário que um novo tipo de ansiedade ganha espaço: a
tocofobia.
Descrita como uma ansiedade específica ou medo do parto que antecede a gravidez, a tocofobia foi reconhecida formalmente como distúrbio pela primeira vez no ano 2000, em um artigo da Universidade de Cambridge que realizou um estudo de caso com 26 pacientes no Reino Unido.
O texto divide a condição em primária e secundária, sendo a primária definida como o medo presente antes mesmo da experiência do parto e a secundária como fruto de um parto traumático. De causa indefinida, a primária pode estar atrelada a inúmeros fatores desde abuso infantil até falta de apoio familiar em caso de gravidez. Como é o caso da professora Aline Gomes (25), que contou como a relação familiar contribuiu para o desenvolvimento da sua fobia à gravidez. Ela que já sofria com o distúrbio de ansiedade generalizada sentiu os sintomas se agravarem ao chegar à puberdade e sofrer com a pressão familiar para evitar a gravidez a todo custo.
Abaixo, confira o depoimento de Aline.
A estudante Camila* (24) também relata situação semelhante em sua vida quando começou a ter sintomas físicos ao somente pensar em gravidez. “Afetava minha rotina, eu ficava com falta de ar, dor de cabeça e meu corpo tremia muito só de pensar”, relata a jovem.. Longe de ser uma condição restrita ao corpo, o transtorno passou a afetar a sua vida social. “Tirava a minha concentração e ficava pensando no que meus pais e amigos pensariam sobre mim se eu estivesse grávida ou se seria expulsa de casa, e essa ansiedade atrapalhava meus estudos, meu trabalho e nos momentos de lazer. Aquilo era castigo e me atormentava na minha cabeça o tempo todo”, recorda.
De acordo com a psicóloga Natália Geissler, as mulheres sempre estiveram de diferentes formas se cobrando em relação à maternidade. “Atualmente, temos visto de forma recorrente mulheres desenvolvendo transtornos ansiosos pelo receio dos impasses que uma provável gravidez pode causar em sua vida, considerando seus âmbitos pessoais e profissionais”, explica.
O medo pode afetar profundamente a vida amorosa e sexual das pacientes, como conta Aline, que chegou a terminar um relacionamento por receio de manter relações com o namorado. Confira o áudio a seguir:
Assim como Camila que conta que quando tinha relações, tomava pílula do dia seguinte achando que a pílula anticoncepcional iria falhar. “Mesmo afetando meus hormônios e me fazendo mal durante dias por conta dos efeitos colaterais, eu só fiz o possível para não engravidar”, diz.
Uma luta solitária
Além da falta de apoio e orientação da família relatado por muitas mulheres, a tarefa de lidar com a contracepção ainda recai majoritariamente sobre o público feminino, seja pela escassez de métodos voltado especificamente aos homens ou por conta do próprio processo de socialização masculina, conforme mostra o estudo sobre contracepção e gênero publicado pelo periódico internacional
Reproductive Health Matters.
A psicóloga reitera que os homens são socialmente influenciados a colocarem a responsabilidade da contracepção nas costas das mulheres. “Por saberem que só irão arcar com a responsabilidade de uma paternidade ativa caso desejem, o abandono paterno é uma realidade, a quantidade de mães solos é assustadora”, relata.
Natália afirma ainda que esse problema social atravessa gerações. “ É um problema que só pode ser amenizado com a criação de meninos aptos para desenvolver a paternidade, incluí-los desde a infância, respeitando os limites de cada idade, as tarefas de casa e a educação sexual, são práticas que se mostram eficazes a longo prazo”, diz.
Um caminho longo, mas possível
Apesar de comum o problema ainda é pouco conhecido mesmo entre as mulheres, o que dificulta a busca por ajuda especializada e uma vida hiper vigilante como conta Aline que apesar de casada continua assombrada pelo medo de engravidar.
Segundo Natália, é necessário montar uma estrutura de apoio completa para acolher essas mulheres. “Além do acesso a medicações e das campanhas de educação sexual, a ajuda psicológica se faz necessária, principalmente, em contextos em que esse medo ou essa pressão em exercer a maternidade se demonstrem acentuadas demais. Uma ajuda especializada com um profissional da saúde mental, irá auxiliar essa mulher a decidir com mais calma e clareza se quer ou não ter filhos, e se sim, quando, e se não, a ajuda poderia se estender a pressão social que ela certamente sofrerá”, conclui.
Mensagem de apoio
Camila conta que conseguiu superar seu medo por meio de uma terapia psicológica, pois queria viver sua vida normalmente sem medo. O processo durou aproximadamente seis meses e a profissional a fez refletir e pensar racionalmente que não é tão fácil engravidar e confiar mais no seu método contraceptivo.
A partir de sua experiência, a jovem deixa uma mensagem de otimismo para outras mulheres que também enfrentam o mesmo problema: “se você está com muito medo de engravidar, procure tratamento psicológico e tenha um método contraceptivo para se sentir mais tranquila. Sei que parece impossível combater esse problema, mas depois que você começa a pensar racionalmente tudo fica mais tranquilo. Nossa mente é nosso maior inimigo em momentos assustadores como esse, mas precisamos que ela não nos atormente e tenha o controle de tudo”, compartilha.
*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada
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*A reportagem faz parte da atividade avaliativa da disciplina Redação e Produção para WEB, ministrada pela professora Vanessa Sena, durante o semestre de 2023-1.
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