Enquanto parte da população fica em casa por conta da pandemia do Covid-19, os profissionais da saúde fazem parte dos serviços essenciais para a população e estão na linha de frente no combate a esse novo vírus. Com os hospitais lotados, convivendo diariamente com as mortes, a alta demanda de trabalho, a falta de equipamentos adequados e a carga altíssima de estresse, eles estão abrindo mão da família, de cuidados pessoais e da quarentena em favor da segurança daqueles que amam e em nome da vida de milhares de pacientes infectados pelo vírus.
A enfermeira Salomé Alves conta que muita coisa mudou em sua rotina. Apesar de não trabalhar na unidade de campanha, os cuidados redobraram. É fornecido Equipamento de Proteção Individual (EPI) no hospital Lázaro Reis, onde ela atua em Manacapuru, mas mesmo assim o medo de se contaminar é constante. Ela revela que as máscaras machucam o rosto, porém a pior parte é na hora de ir ao banheiro, por conta do equipamento que eles usam e a dificuldade para tirá-lo com o cuidado de não se contaminar; afinal, a parte externa do traje entra em contato direto com os doentes. A jornada de trabalho ficou mais intensa e o seu psicológico acabou sendo afetado. “Penso o tempo todo que familiares e amigos podem adoecer e até morrer dessa doença. Sinto-me incapaz por não poder fazer muita coisa. Esse vírus é diferente e muito perigoso”, alerta.
No Amazonas, quase 2 mil profissionais testaram positivo para doença. No Brasil já são 4,1 mil contaminados e 108 mortos, segundo a atualização de maio de 2020 do Portal G1. São dados alarmantes, visto que essas pessoas são essenciais no combate ao vírus. A principal causa é a escassez de material adequado para se trabalhar na maioria dos hospitais, deixando-os assim mais expostos ao vírus. Outro fato preocupante que ganhou atenção após o suicídio de uma médica de Nova York que atendia pacientes com o Covid-19 é a saúde mental desses profissionais. De acordo com uma matéria da Folha de São Paulo, não se tem nenhum estudo sobre isso ainda, mas entidades e especialistas da área acreditam que com o aumento das mortes de colegas de trabalho pela doença, a carga excessiva de estresse e o medo do contágio, os quadros emocionais e psiquiátricos podem se agravar.
Outro dilema que a pandemia trouxe para o meio desses profissionais é de que mesmo eles sendo fundamentais nesse momento, alguns estão no grupo de risco da doença e são afastados de seus trabalhos. No entanto, em algumas unidades com escassez de funcionários, eles acabam se sentindo obrigados a continuam trabalhando na linha de frente.
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) protocolou ações cívicas públicas frente à União e aos hospitais privados para garantir o afastamento de enfermeiros e técnicos integrantes ao grupo de risco dos trabalhos que envolvam pessoas com o vírus ou apresentando sintomas do mesmo. “Profissionais de enfermagem são seres humanos, não máquinas. Diante da pandemia do Covid-19, é desumano forçar integrantes de grupo de maior risco a permanecer na linha de frente, sobre caso risco de vida, potencializando ainda mais a escassez de EPIs”, afirmou o presidente do Cofen, Manoel Neri, em um de seus pronunciamentos sobre o assunto. As normas do Cofen aconselham à organização dos serviços de saúde que esses profissionais devem permanecer na retaguarda, em funções administrativas que também são necessárias.
A oportunidade em meio à pandemia
A recém-formada no curso de farmácia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Juliana Leite conta que jamais imaginou que no último período da faculdade iria ser pega de surpresa pela proposta de uma colação de grau antecipada para entrar na linha de frente do combate ao Covid-19. “Quando eu recebi a proposta, a situação já estava bem alarmante no nosso estado e a carência de profissionais farmacêuticos estava visível. Seria uma oportunidade única na minha vida e na carreira profissional”. Hoje, Juliana percebe o quanto a presença de um farmacêutico dentro de um hospital é necessária, apesar de no início se sentir insegura, com dúvidas principalmente em relação aos EPI. Até hoje estudos estão sendo feitos para tentar descobrir quais são os meios possíveis de ser infectados pelo vírus, e a inserção de novas informações (logo, novos cuidados) acontecem o tempo todo em sua rotina.
Mesmo assim, ao iniciar os trabalhos no hospital de campanha, Juliana não teve problemas com esses equipamentos e foi bem amparada em relação à proteção do que tanto temia. De acordo com ela, a unidade de campanha municipal Gilberto Novaes possui uma ótima estrutura para as pessoas que ali trabalham. A farmacêutica está atuando principalmente nas funções de manipulação de medicamentos, registro de drogas controladas, controle de prevenção de perdas, coordenação de estoques, delegação de tarefas e outros. Apesar de tudo, ela se sente grata por ver que nesse momento estão dando o devido valor aos profissionais da área de saúde em geral e também a ciência, que é tão rebaixada, mas que hoje, no país e no mundo, se tornou uma esperança para o retorno a uma vida normal.
De fato, o mundo inteiro está reconhecendo o valor desses trabalhadores da saúde. Internautas organizam nas redes sociais homenagens com aplausos nas janelas de suas casas. Apesar disso, uma minoria continua sem respeitar esses profissionais. No dia 1 de maio, por exemplo, um grupo de enfermeiros protestava na Praça dos Três Poderes em Brasília em favor do isolamento social e acabaram sendo agredidos verbalmente e empurrados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
A fisioterapia e o Covid-19
Entre médicos e enfermeiros, a importância de um fisioterapeuta na luta contra o novo Coronavírus pode gerar dúvidas. Afinal, qual a função desse profissional agora? Pois bem, o fisioterapeuta Mateus Torres explica. “Os pacientes que estão contaminados com o Covid-19 têm vários sintomas, uns mais leves e outros mais graves. A fisioterapia desempenha um papel muito importante com a finalidade de contribuir para atenuar esses sintomas”.
Segundo Matheus, esse trabalho se divide em duas partes. A primeira é no setor de enfermagem, com pacientes que apresentam sintomas leves, prevenindo que se agravem para síndromes respiratórias. Lá se faz o controle respiratório do enfermo para ele ter autonomia de conseguir manter a saturação ideal, não perder a mobilidade através de uma caminhada no corredor do hospital e exercícios que facilitem a recuperação rápida e receba alto o mais breve possível, evitando assim que se agravem os sintomas.
A segunda parte é na área de Unidade de Cuidados Intermediários (UCI). Lá o tratamento é com infectados em estado mais grave, como entubados. “O principal trabalho é fazer com que o sistema respiratório não se comprometa, pois é um dos sistemas mais afetados no corpo pela doença e uma das maiores causas de óbitos”, explica Matheus. Infelizmente, os doentes que são entubados na UCI dificilmente têm os sintomas reversíveis. No entanto, o fisioterapeuta atua para que ele melhore, fazendo manobras de higiene brônquica para prevenir o acúmulo de secreção nos pulmões. Também é feita a oxigenação, ofertando assim oxigênio para suprir a falta de ar que eles têm devido ao vírus.
Mateus é fisioterapeuta do Hospital de campanha em Manacapuru e disse que trabalhar com o Coronavírus tem sido um desafio muito grande, pois é um vírus que todos nós não tínhamos contato; logo, ele e os demais não tinham vivenciado dentro da prática clínica. No início, Matheus ficou com receio de se contaminar quando entrou na UCI e viu o grande número de infectados e os casos aumentando. Seu psicológico foi um pouco afetado, porém, ficou mais tranquilo com o suporte que o hospital oferece aos seus funcionários.
Infelizmente, essa não é uma realidade de todos os hospitais, ao passo que a preocupação com o contágio é justificada. O Cofen recebeu 2.900 denúncias sobre a falta de EPIS nos hospitais de vários estados. A Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou, no dia 19 de março de 2020, um endereço de e-mail para envio de denúncias sobre a falta de equipamentos e obteve centenas de acusações. De acordo com a AMB, as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre são as que mais registraram denúncias, com 375, 181 e 132 casos, respectivamente. Somando as denúncias dos dois órgãos, o Brasil registra a somatória de 7.987 registros de reclamações.
De acordo com matéria do portal G1, 26% das queixas dos médicos são pela falta de três tipos de equipamentos: Máscaras do tipo N95 ou PFF2, as mais indicadas para atendimento hospitalar; óculos ou Face Shields (uma espécie de viseira que cobre todo o rosto); e o capote impermeável. Esses equipamentos, segundo os médicos, são justamente os mais necessários para garantir a proteção. A falta de testes para o Coronavírus também é preocupante., pois alguns funcionários sentem alguns sintomas da doença, mas nem todos tem acesso aos testes, e somente quem testa positivo ao vírus é afastado do trabalho. O risco do Sistema Único de Saúde colapsar também é preocupante, pois apesar de ser um sistema de referencia no mundo inteiro, pesquisadores temem o problema devido ao grande numero de casos de pessoas doentes crescendo todos os dias.No decorrer dessa reportagem, notei o quanto esses profissionais estão comprometidos com a cidadania e com a ética no exercício das suas profissões, se arriscando para salvar a vidas de milhões de pessoas infectadas. Eles merecem aplausos e todo o nosso respeito, mas a melhor maneira de ajuda-los é ficando em casa, lavando bem as mãos, usando álcool em gel e fazendo uso da máscara se precisar sair. Afinal, eles estão ficando longe de suas famílias, abrindo mão de estarem em casa, passando horas e horas nos hospitais, trabalhando mesmo sem os equipamentos necessários, passando por cima do medo de se contaminar, ignorando o estresse e o desgaste mental para que possamos dar fim à pandemia o mais breve possível. Precisamos trabalhar em conjunto: eles, nos hospitais e a gente, respeitando o isolamento social.