Vaidade é essencial? Os impactos da pandemia para o setor da beleza
A quarentena atingiu em cheio o faturamento dos empresários do setor da beleza. De acordo com pesquisas, os lucros tiveram uma queda de 75%.
Reportagem de Danniella Rodrigues e Lucas Bandeira
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 11 de junho de 2020
Foto: : iStok
Para muitas e muitos, marcar um horário no salão de beleza significava puro entretenimento e diversão. Seja para maquiar uma debutante, arrumar uma noiva ou simplesmente mudar o visual, o salão de beleza é o lugar preferido de várias pessoas para dar boas risadas e compartilhar novidades. E a explicação disso é simples: os salões fazem parte dos melhores momentos de qualquer cliente, oferecendo a eles serviços e tratamentos de beleza que despertam emoções e marcam histórias em dias importantes ou simples.
Entre uma maquiagem ou outra, é comum que clientes contém novidades, ouçam conselhos, façam confidências, entre outros detalhes pessoais. De qualquer forma, essa troca de experiência é resultado de uma relação de confiança e só pode ser obtida em lugares descontraídos e agradáveis. Nesse ambiente, é natural que os clientes se sintam mais à vontade, desligando-se do mundo e de suas preocupações. Quem não gosta de fazer as unhas, pintar os cabelos, comentar sobre a novela com as suas amigas de salão? Essas feminices fazem parte da rotina de qualquer salão de beleza, sendo elas também responsáveis pelo clima de alto astral.
Mas com a chegada do Coronavírus ao Brasil, muitas medidas foram tomadas para impedir seu avanço e o crescimento do número de vítimas. Uma delas afeta diretamente a população: a suspensão dos trabalhos considerados não essenciais. As consequências dessas medidas são notáveis com algumas pequenas empresas prestes a falir e o aumento na taxa do desemprego.
Um dos departamentos da economia mais atingido foi o da beleza. De início, salões, barbearias, academias, clínicas de estética e depilação não foram incluídos nos serviços essenciais, e por isso tiveram suas rotinas interrompidas devido ao novo Coronavírus. Esses profissionais viram os seus lucros sofrerem uma queda de 75%. Sendo assim, precisaram buscar novas estratégias para se reinventar e manter as contas em dia.
Evitar aglomerações de pessoas, manter distância de pelo menos um metro, ficar em casa. Essas são as principais recomendações para a população durante a pandemia do novo Coronavírus, além de lavar sempre as mãos e o uso de máscaras. Mas para quem tem um salão de beleza, as recomendações não são tão fáceis.
Yorrane Barbosa, 20, é dona do Studio Vip, um salão de beleza no Adrianópolis, e sentiu isso na pele. “O movimento diminuiu bastante. Acredito que seja tanto pelo medo de pegar o vírus quanto porque muita gente está sem trabalhar e sem receber, logo, sem recursos para gastar. Acredito que no primeiro mês de pandemia mal deu para pagar as contas para manter o salão. Mas com o passar do tempo, os clientes foram perdendo o medo e voltando a rotina normal de salão de beleza”, relembra.
Nesse cenário, muitos trabalhadores, em um movimento desesperado, acabam abrindo as portas de seus estabelecimentos. Correm o risco de se infectar com o vírus e passá-lo para clientes e também familiares, caso as medidas de prevenção não sejam adotadas ou feitas de forma incorreta pelo que presta o serviço e por quem o contrata. O uso de máscaras, luvas e álcool em gel para higienizar as mãos e os utensílios podem ser adotados, mas dentre as medidas, uma delas não será possível, que seria manter uma distância segura, o que faz com que os demais cuidados devam ser redobrados.
Muitas mudanças nessa área ocorreram a partir das novas estratégias adotadas por alguns profissionais, sejam elas em sua rotina, a forma de trabalhar, novos recursos adotados e equipe de trabalho. No caso de Yorrane, essas mudanças foram graduais. “Começamos divulgando em nossas redes sociais que os serviços do salão poderiam ser feitos em casa, uma espécie de home care. Os clientes marcaram um horário e os profissionais atendiam todas as necessidades dos clientes no conforto e segurança de suas casas. Logo após isso, os clientes que se sentissem à vontade no salão poderiam marcar um horário privado do local”.
Essa flexibilização durante a pandemia não vem sem cuidados extras. No caso do Studio Vip, Yorrane orienta os profissionais a trabalhar com um cliente por vez, deixando um espaço de 30 minutos entre um atendimento e outro. Durante esse intervalo, ocorre a limpeza e esterilização de todo o lugar com álcool. Os funcionários usam máscaras e luvas o tempo inteiro, e a oferta de álcool em gel para os clientes é constante. Se o cliente não tiver sua própria máscara, o salão oferece uma descartável para ele.
Todos esses cuidados têm alguns reveses e custos. Yorrane explica que a diminuição no número de pessoas circulando pelo salão ainda se coloca como um desafio. “Por ser preciso diminuir o número de pessoas por vez dentro do salão, os lucros diminuíram. E outro ponto são as medidas de segurança que precisam ser adotadas, como comprar máscaras para funcionários e clientes e álcool em gel. Houve uma maior saída de dinheiro nesse aspecto”, explica.
Com a queda na economia, principalmente no setor e beleza, muitos profissionais se viram encurralados e acreditam não ter outra alternativa a não ser diminuir a equipe de trabalho. Por sorte, não foi o que aconteceu no salão de Yorrane. “Conseguimos manter todos os funcionários. Até porque no salão os funcionários não têm carteira assinada, eles trabalham como salão-parceiro, então eles recebem a partir de comissões do trabalho deles”, ela conta, aliviada.
Até mesmo trabalhadores que não dependem totalmente da área estética percebem as mudanças geradas pela suspensão dos trabalhos não essenciais. Alegam que não apenas o fluxo de pessoas diminuiu como também os serviços. Mesmo antes trabalhando todos os dias, agora, por causa do isolamento e também pela suspensão das atividades, tem dias que não aparece nenhum cliente. Quando aparece, o cuidado é dobrado, até mesmo apelando para o uso de dois pares de luvas e duas máscaras simultaneamente para garantir não ser infectado.
Além do atendimento em casa, outros meios surgiram criados pelos profissionais da beleza. A ideia mais excêntrica (e até mesmo cômica) é o drive-thru de Botox, criado pelo cirurgião plástico Michael Salzhauer, mais conhecido como Dr. Miami, que montou o atendimento na garagem da sua casa na Flórida (EUA) para aplicar botox durante a pandemia. O cliente deve agendar e pagar o procedimento online. Após isso, dirige-se ao local do atendimento, estaciona e abre a janela para receber as injeções. Em épocas como a atual, é necessário se reinventar e deixar a criatividade solta, mas são surpreendentes as soluções dadas para esse problema.
Além de medidas excêntricas, no geral, os clientes buscam fazer os tratamentos mais básicos, como hidratar e esfoliar a pele, além de cortar ou tingir os cabelos. Mas os procedimentos mais complexos ou os que demandam um local mais apropriado, como uma academia ou uma clínica, não são possíveis de serem feitos em casa. Com os profissionais adotando novas soluções para retornar à ativa, as pessoas passaram a sair de suas casas para poder usufruir do trabalho deles mais uma vez.
Vaidade à brasileira
A vaidade do brasileiro parece ser um valor nacional tão forte que um decreto do presidente da República Jair Bolsonaro foi publicado no dia 11 de maio de 2020. O conteúdo: cabeleireiros, barbearias e salões de beleza passaram a ser tomados como atividades essenciais durante a pandemia do novo Coronavírus. "Saúde é vida. Academias, salões de beleza e cabeleireiro, higiene é vida. Essas três categorias juntas é mais de 1 milhão de empregos", afirmou o presidente à jornalistas na portaria do Palácio do Alvorada.
Menos afeitos a um bom look, os governadores rejeitaram a determinação na época e garantiram manter esses locais fechados. Foi que ocorreu no Amazonas. O governador do Amazonas, Wilson Lima, apontou: “O objetivo é salvar vidas. Se não houver redução comprovada nos registros de casos, de pacientes graves e óbitos, não há como promover reabertura”, afirmou, apesar de fazer exatamente o contrário desde 1 de junho de 2020, quando atividades comerciais e serviços foram sendo gradualmente reabertos, mesmo com a curva de infectados aumentando no Estado.
Algo interessante chegou a acontecer em Manaus pouco antes disso. A justiça determinou a reabertura de um salão de beleza em Manaus com base no decreto federal ainda em maio. Porém, essa reabertura não durou muito: uma decisão assinada pelo desembargador presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) Yedo Simões suspendeu a liminar que autorizava o funcionamento. De acordo com a decisão do desembargador, “a suspensão deve ser determinada com a mais absoluta urgência, sob pena de irreparável prejuízo à ordem e saúde públicas em caso de cumprimento da decisão”.
Com o rigor do fechamento do comércio sem que o governo apresentasse um plano de ajuda efetivo, resultou que a categoria optou em trabalhar na clandestinidade. Muitos donos de salão de beleza não cumpriram a lei antes da reabertura simplesmente porque não tinham mais dinheiro. Afinal, precisam pagar o aluguel, luz e funcionário. Como estão sem dinheiro, descumprem a quarentena e trabalham de portas fechadas.
Não só os profissionais, mas os clientes superam o medo. Foi o que aconteceu com o funcionário público Daniel Josué de Souza, 61, que é um dos clientes que conseguiu driblar a quarentena e ir a um cabeleireiro. “Para mim, nesse momento de isolamento social, ir ao salão não foi uma necessidade extrema, mas uma forma de poder contribuir com essa situação tão difícil que os microempresários estão passando. Lido diretamente com arrecadação do estado e penso em como ajudar que essas empresas não fechem as portas. E como sou do grupo de risco, meus cuidados são redobrados”, explica.
Com a reabertura gradual, as opiniões ainda estão divididas: se abrem os estabelecimentos ou se continuam com o isolamento social. Nem todos estão seguros para o retorno ao trabalho, e o medo e os cuidados causados pela covid-19 continuam a preocupar muitos trabalhadores. Dentre os diversos salões e centros estéticos, muitos optam por não abrir e esperar o quadro da pandemia melhorar.
A rotina não continua a mesma. Sem área de espera, sem revistas, sem conversas, agora tanto cliente quanto cabeleireiro usam máscaras. Muitas pessoas cortaram seus próprios cabelos e algumas até arriscam pintarem elas mesmas as próprias madeixas. Com isso, quem sabe os salões não irão ganhar um lucro extra no futuro, consertando as artes dos seus clientes na quarentena?