Estávamos indo bem nas aulas até ser decretado, em março, 15 dias de paralisação do funcionamento das faculdades da rede pública e privada como medida de enfrentamento ao novo coronavírus. Meses se passaram e o retorno às instituições de ensino ainda é incerto, já que os números de casos confirmados da doença continuam em ascendência em Manaus.
O Amazonas é um dos estados brasileiros mais afetados pela doença. De acordo com dados da Fundação de Vigilância Sanitária em Saúde do Amazonas (FVS), até 07 de julho havia 49.269 casos confirmados de coronavírus e 2.250 óbitos causados pela doença. Dentro desse cenário, as universidades públicas do Amazonas suspenderam o semestre, já que alunos e professores compartilham um desafio comum: o acesso à internet.
A “simples gripe”, como era considerada por alguns, mostrou-se um inimigo mais poderoso do que se previa no início, como bem perceberam os alunos que tiveram suas aulas continuando, mas de forma não presencial. Nelas, enquanto uns vivem uma rotina mais próxima à tradicional a partir das aulas remotas, outros encaram aulas no modelo de Ensino à Distância, o famoso EaD. Apesar disso, não foram todas as instituições de Ensino Superior que seguiram esse método.
Muitos não sabem, mas há diferença entre EaD e aula remota. O primeiro foi desenhado para prestar atendimento, aplicar atividades e aulas, em dias marcados, seja semanal, quinzenal ou mensalmente, e desenvolver outras demandas em um ambiente de aprendizado com apoio de tutores e recursos tecnológicos. A comunicação via fórum ou e-mail é predominante. Já As aulas remotas são aplicadas pontualmente. Seguem a rotina de ensino presencial e são aplicadas em plataformas digitais. O contato com o professor é direto a partir dessa plataforma, e os alunos podem, por exemplo, tirar dúvidas em tempo real.
Num momento como este, vale à pena estudar em faculdade particular? Barbara Carvalho, 19 anos, estudante de Direito em uma instituição privada em Manaus, está tendo aula remota. Ela acredita que há uma grande vantagem em relação aos estudantes que estão tendo aula EaD: “Sim, é uma vantagem, visto que não prejudicou o cumprimento do calendário e previsão de conclusão do curso. tanpouco o processo de ensino aprendizagem”, avalia, completando que sente muito pelos alunos que tiveram o período cancelado.
Barbara, que está no 4° período do curso de Direito e já ensaia o uso de um vasto e formal vocabulário próprio da área, lembrou que, no caso dela, os materiais de ensino usados durante as aulas são gravados e disponibilizados pelos professores em seus canais pessoais no youtube. Assim, eventuais falhas de internet na residência do aluno não o impossibilita de acompanhar o conteúdo, fazendo com que ele siga o cronograma das aulas. “O professor ministra a aula, disponibiliza os materiais específicos para acompanhar e complementa com exercícios de fixação e trabalhos, que são, regra geral, avaliativos, segundo o regime da instituição”, detalha Barbara.
Diante dessa pandemia que colocou metade da população em quarentena, Barbara contou que está tranquila e satisfeita em relação aos seus estudos, já que suas expectativas estão sendo correspondidas. Ela não vê nenhum problema em estudar em casa. Suas aulas começam às 8h35min e seguem até 11h45min, tal como no sistema presencial.
Nesse contexto, a relação entre alunos e professores é objetiva, segundo a estudante de direito. A interação acontece nas aulas e também em grupos, como no whatsapp, por exemplo, e nas plataformas próprias de estudos da instituição. Barbara falou ainda da importância dessas ferramentas digitais para a permanência de seus colegas no curso. “Os grupos foram fontes essenciais de apoio aos alunos em todos os quesitos, principalmente no de impulsioná-los e incentivá-los a continuar no curso”, comenta.
Ao ser questionada sobre como divide seu tempo durante o isolamento social, Barbara afirmou: “Como não há muito com o que se distrair no que tange às redes sociais, meu tempo se divide entre elas e as aulas. Em geral, eu assisto às aulas no horário normal e, em seguida, o dia é totalmente dedicado a pesquisa da matéria, ao assunto inerente ao dia, resolução dos exercícios, com o intuito de que não haja acúmulo exacerbado de matérias e um maior aproveitamento do conteúdo”, explica.
Como será a vida pós-quarentena? está é uma dúvida que grande parte das pessoas possuem. Na medida que vamos tentando imaginar o futuro, também surgem novas perguntas. Para Barbara, o momento é de preparação para o enfrentamento não apenas do Covid-19, mas também dessa nova realidade que há de vir: “Teremos que nos reinventar e adaptar diante desse novo mundo pós-pandemia, ou ainda com ela, pois até o presente momento desconheço se voltaremos ao ensino presencial esse ano. O que há de se enfatizar, principalmente, é que todos os cuidados serão redobrados, visando o bem estar coletivo da comunidade acadêmica, docentes e afins”.
Ao falar sobre suas possíveis saudades, a estudante afirmou que sente falta do contato direto com seus professores, colegas e coordenação, e que sua saudade maior é de estar dentro de uma sala de aula, como era no passado. Em relação aos trabalhos, afirma que os professores realizam de modo individual e em grupo. No modo grupo, ela e seus colegas fazem chamadas de vídeo para que todos possam debater e compreender o assunto.
A estudante de Direito vê vantagens e desvantagens nesse novo regime de estudo. “Há a economia com tempo e dinheiro, já que não é preciso sair de casa. Esse fator traz mais comodidade ao aluno, pois a flexibilização de estudos podem ser divididas de acordo com a rotina diária dos discentes”. Já um ponto negativo levantado por ela é que, mesmo que tenha interação entre professores e alunos, o aproveitamento não é tão “bacana”, pois mesmo com aulas remotas, o universo das plataformas digitais não é o mesmo da relação pessoal direta.
Entra o EaD
Enquanto os estudos de Barbara estão fluindo através das aulas remotas, para Danielma Lucy, 20 anos, estudante de enfermagem na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a realidade é diferente. Mato Grosso do Sul também decretou isolamento social e, em relação a outros estados brasileiro, não apresenta tantos casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Porém, a taxa de pessoas que apresentam os sintomas da doença a cada 24 horas está em ascendência.
A futura enfermeira afirmou estar tendo tanto aula em EaD quanto aula remota, cabendo a cada professor escolher o método para a aplicação das atividades. Ao ser questionada sobre ter aula online, ela afirmou: “Eu particularmente não estou muita situada, pois para mim, tenho que ter uma rotina. Em casa, não tenho conseguido seguir isso certinho por conta de não conseguir manter a concentração”, lamenta. Danielma sente insegurança quanto ao seu aprendizado, mas os livros de referência, mais do que nunca, tornaram-se os seus melhores aliados para sanar as dúvidas.
Ao falar sobre o contato com seus professores, a estudante afirmou: “A relação tem sido boa, mas varia de professor para professor. Alguns só largaram o conteúdo e a gente que desse conta, outros foram mandando suas aulas gravadas ou como lives por aplicativos de vídeo chamada”. E quais serão os desafios após o retorno às salas de aula para ela? “Haverá dificuldades não apenas a se adaptar à um novo cenário enquanto não houver nenhuma vacina para o tratamento da doença, como também dificuldade em se readaptar com a rotina de estudos”, chuta Danielma.
A maior parte dos estudantes compartilham um desejo em comum, que é a volta às aulas presenciais. Sendo assim, Danielma se coloca como porta voz de sua turma nesse sentido. “Não vemos a hora a de estarmos reunidos novamente, seja para fazer trabalhos ou até mesmo sairmos um pouco para um rolê”, confessa.
De portas fechadas
Enquanto uns seguem em aula EaD ou remota, outros tiveram o período suspenso. Tayná Vieira, 20 anos, é estudante de administração na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a instituição suspendeu o período letivo por conta da pandemia, mas também pela dificuldade de acesso à internet que muitos alunos enfrentam, especialmente no interior do Estado.
Tayná relembra que assim que foi decretado o isolamento social, houve tentativas pela coordenação de dar continuidade às aulas, porém, sem sucesso. “As aulas iriam parar e de acordo com a situação - com ou sem risco - poderiam ser retomadas pouco tempo depois. Houve tentativas de professores passando atividades ou fazendo encontros on-line, mas por enquanto as aulas estão suspensas”. Ela afirma que a suspensão das aulas foi a melhor decisão feita pela sua universidade para este momento de crise sanitária: “além de evitar a propagação do vírus, a faculdade reconhece a desigualdade de acesso à internet, comida, materiais, entre outras situações que afetam os alunos”, reflete.
Mas se o semestre foi suspenso, haverá reposição das aulas? De acordo com a UEA, sim. O plano é, basicamente, dar andamento a dois períodos letivos em um semestre. “A informação disponível na faculdade é a continuidade das atividades do período anterior no segundo semestre do ano. Ele vai ser dividido em dias iguais em 2 períodos. A previsão de encerrar o ano letivo é em fevereiro de 2021”, complementa Tayná, que mostrou preocupação em ter que encarar dois períodos em apenas um semestre. “Com certeza haverá sobrecarga de trabalho”, adianta, temendo ainda pelas horas de estágio que precisa completar.
Tayná nunca imaginou o quanto uma sala de aula faria falta: “sinto falta de estar com meus amigos e da liberdade. A relação tanto com os colegas quanto com os professores não é constante. Mesmo sentindo falta, gosto de ter meu espaço. Sempre que nos falamos desejamos saúde uns aos outros assim como expressamos a saudade que sentimos, nossa preocupações com a situação da faculdade, país, mundo, mas principalmente compartilhamos momentos de distração e brincadeiras”.
A estudante de administração, mesmo com suas aulas suspensaS, levantou pontos positivos e negativos caso estivesse tendo aula online. Quanto ao ponto positivo ela disse: “não atrasaríamos o período e, durante distanciamento social, estaríamos mantendo uma rotina”. E como ponto negativo, Tayná considerou o fato de que não são todos os alunos da universidade púbica que contam com uma estrutura básica para acesso à internet e aulas. “Nem todos os alunos teriam o acesso às aulas - por conta da internet- e nem estariam nas mesma condições de participar com o melhor desempenho”, reflete.
Por fim, a aluna falou do posicionamento da faculdade sobre o retorno às aulas. Segundo o novo cronograma de sua instituição, a previsão é para o dia 03 de agosto: “A universidade apresentou um novo calendário, mas esclareceu que este só vai ser utilizado caso haja melhoras na situação de Manaus. Quanto mais cedo a situação se estabilizar, mais cedo retornaríamos; caso contrário, a volta continuaria adiada”.
Diante disso, alunos e professores tentam continuar os estudos ou se prepararem para o retorno deles. O ambiente não é o mesmo, o ritmo não é o mesmo e, apesar de tudo, todos anseiam um mesmo desejo: que tudo isso passe, para termos nossa liberdade novamente.