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Uma manhã contra o relógio

Crônica de Suzy Santos 
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 14 de junho de 2020
Foto: Reprodução- Folha Certa
Numa manhã de sol, liguei o carro e coloquei a playlist do novo cd do Boi Caprichoso 2020 no youtube. Já era quase oito, mas eu não havia percebido isso até que olhei no relógio e pensei “tô frita!”. Já deveria estar a caminho do trabalho, e agora só o que poderia me salvar era o tempo de tolerância para bater o ponto.

 Saí da garagem e, para o meu engano, ao contrário dos dias normais, o trânsito estava livre. Manaus tem dessas. Estranhei, mas dei graças aos céus e segui meu caminho. Parei no cruzamento, e enquanto esperava os poucos carros na rua passarem, observei uma moça passeando com o cachorrinho, como fazia todas as manhãs. Quando saímos mais ou menos no mesmo horário, é como se todos ao redor seguissem um roteiro que passamos a conhecer a fundo.

Segui em frente, resolvi não pegar o atalho para cortar o caminho e pensei no contraste social que existe naquela rua do Aleixo: do lado direito, um condomínio de alto padrão, com a grama bem verdinha e portaria com segurança; do lado esquerdo, uma invasão sem grama, mas com bastante terra e casas de madeira bem simples. Mais à frente, um dos colégios mais caros de Manaus.

Naquela ladeira do lado do Lato Sensu que me dá calafrios de pensar em subir e estancar o carro, fiquei observando qual veículo daria a seta para dobrar à esquerda. A maioria nem dá a seta, mas enfim, há dias e dias não, é? Passando por um quebra-molas, vejo um homem que aparentemente quebrou a perna. Na verdade, toda manhã ele estava lá, mas só fui começar a reparar nele há cerca de um mês. Talvez seja porque agora ele estava em destaque, por causa da cadeira de rodas que o carregava.

Continuei dirigindo pelo Aleixo para subir outra ladeira ainda mais íngreme (mais uma, que inferno!), e vi a “Casa dos Pombos”. É como eu chamava uma casa que, quando eu eu era mais novinha e voltava da escola, gostava de passar na frente para ver o dono na calçada, jogando pão para um monte de pombos. Hoje em dia, ela fica fechada, mas a imagem sempre me vem à cabeça.

Em dias normais, a Belo Horizonte é bem movimentada. Há muitos carros estacionados na rua. Porém, nesse dia estava tudo meio estranho, tranquilo demais apesar de não ser feriado ou qualquer outra coisa. Segui na rua que normalmente eu demoraria uns dez minutos andando a 6 km/h, mas que naquele momento eu atingia 30 km/h. Dobrei ao lado da Caixa Econômica, que tinha mais uma ladeira na rua (o ódio, meu pai!) e dei a volta pela Sefaz para chegar na Valerio de Botelho de Andrade e parar ao lado do posto Atem da Marciano Armond. Adivinha o que tinha lá? Isso mesmo, outra ladeira generosa.

Como não havia muito movimento nas ruas eu segui até aquela esquina que tem uma funerária. Sempre que eu passo por lá, me dá um calafrio, não me pergunte porque que eu não saberei responder. Passando pela Castelo Branco, me dá aquela sensação de nostalgia de quando meus pais me levavam para fazer uma visita aos meus meios-irmãos, que há muitos anos moravam por lá. Sempre gostei da relação da minha família, almoço de domingo na casa da ex-mulher do meu pai com a minha mãe e meus cinco irmãos, todo mundo unido, uma big família.

Atravessando toda a avenida e parando no sinal na esquina do Rei do Churrasco, espero minha vez para entrar na Ramos Ferreira. Já vejo a movimentação de carros mudar, está mais intensa, e sem entender nada, vou me metendo entre os carros antes que o sinal fique vermelho. O relógio já marcava oito horas e dois minutos e logo penso: “ainda bem que tenho uma tolerância de 15 minutos para bater o ponto e não ter 27 reais descontado do salário!”. 

A movimentação é grande e intensa na frente do Prosamim, e ao me aproximar mais, entendo: ocorre uma confusão ali e quatro viaturas da polícia já estão na área. Um homem é preso. O que ele deve ter feito? Mil teorias passam pela minha cabeça, mas logo ouço uma buzina atrás de mim, ops, acho que me empolguei na imaginação. Sigo meu caminho, que já está acabando, e paro em mais um sinal vermelho.

O sinal não demora a abrir, graças! Na Visconde, dou mais uma olhadinha no relógio mudando de oito e nove para oito e dez. Vou diminuindo a velocidade, procurando uma vaga para estacionar, mas sem sucesso, a rua está lotada. Quando finalmente consigo parar, pego minha bolsa, meu casaco, minha marmita e meu café, toda desengonçada. Corro pela avenida, prendendo a respiração ao passar por uma peixaria pensando (odeio peixe) e logo chego ao meu destino final, o trabalho. Mas a corrida contra o tempo ainda não terminou: tenho que chegar ao ponto antes das oito e quinze!

O segurança gentilmente abre a porta para mim e o cumprimento, mas no fundo só quero sair correndo e registrar minha chegada. Me aproximo da máquina finalmente, mas tem mais duas pessoas na minha frente. Dou um sorrisinho e um bom dia, bem rápido, para não tirar o foco deles do fato de que precisam sair da minha frente. Bato meu ponto oito e quatorze cravados, ufa! Subo as escadas em direção a sala da comunicação dando bom dia a todos e sentando na minha cadeira para recuperar o fôlego e começar a jornada no trabalho. O dia está só começando.
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