Esses dias eu acordei e me senti estranha. Não aconteceu nada, não tinha nada de errado comigo. Eu só estava estranha. Levantei da cama cedo, saí de casa, fui até a parada do Mercadinho Tarumã e peguei o ônibus, o bendito 016. Lá fora estava tudo uma loucura: sons de buzinas, pessoas falando e o carinha gritando no sinal vendendo água. Tudo como sempre. Fui o caminho inteiro para o trabalho com aquela incógnita na cabeça - mas por que raios estou me sentindo assim?
O dia tinha sol, a música estava boa (estava ouvindo O menino do sol, do Vitor Kley), queria fazer coisas legais. Aí comecei a racionalizar. Bom, deve ser porque hoje mudei a minha rotina. Acho que não comi a mesma comida. O meu dia começou esquisito ou é porque peguei aquela avenida que sempre tem trânsito, a Cosme Ferreira, e demorei vinte minutos a mais. Pronto, é isso.
Entretanto, parei para pensar logo depois: por que eu não poderia só estar me sentindo esquisita? O que me tirava o direito de ter acordado estranha? Bom, estamos vivendo um tempo muito diferente do que imaginamos para 2020; o coronavírus chegou assustador e levando muitos ao desespero. Talvez esse seja o motivo pelo qual acordei estranha.
Vamos pensar assim: devemos sim ficar em casa, cuidar de nossos familiares com sensatez, lavar bem as mãos, e cumprir todas as recomendações do Ministério da Saúde. Mas, sabe o que deve tá me deixando triste, abalada e sem esperança, me levando a ficar esquisita? São as pessoas que não respeitam ou não acreditam que o isolamento social é um caminho para combater essa doença. Vejo pessoas sem máscaras, transitando pela rua como se tudo estivesse normal. Há, como eu queria chegar com esses seres humanos e dizer que a máscara é mais leve que um respirador, ou que a cama delas com certeza é mais confortável que um leito de UTI.
Não consigo entender esse povo saindo de casa sem proteção alguma, às vezes por pura diversão, por puro egoísmo. Enquanto isso, médicos, enfermeiros e demais trabalhadores da saúde ficam expostos ao vírus em hospitais e os postos de saúde, repletos de pessoas doentes. Eles estão em contato direto com casos suspeitos, tratando os confirmados, orientando as demais pessoas a permanecerem em casa, enquanto eles próprios precisam estar onde estão.
Ainda no caminho para o trabalho, notei que estava acontecendo algo curioso do lado de fora do ônibus. Chegando no cruzamento da José Romão com a Avenida Cosme Ferreira, ali no Coroado, as coisas por ali estão em um rumo diferente.
No bairro onde moro, São José Operário, os meus vizinhos - e não só eles - estão andando sem máscaras. A maior parte do comércio funciona normalmente também. Mas quando chego em outro bairro como Coroado ou Aleixo (bem pertinho da Bola), percebo as ruas mais vazias, sem trânsito, e as pessoas de máscaras com as mais diversas estampas e cores.
Ah, isso fez o meu coração doer. Mas o ônibus passou por cima de um buraco no meio da rua e fez com que eu e a minha atenção nos perdêssemos das coisas que estavam acontecendo do lado de fora. Esse “incidente” de cair nas ruas esburacadas de Manaus é comum. Obrigada, Prefeitura de Manaus. Num reflexo, segurei o banco com força para não cair da cadeira, e rapidamente abri a minha bolsa em seguida. Peguei o vidrinho de álcool em gel para passar nas mãos.
O alívio do álcool secando nas mãos fez o meu olhar se voltar para dentro de novo. O 016 estava um pouco cheio, não tão lotado como o de costume, mas ainda com o mau cheiro horrível de esgoto entrando e, como sempre, abafado. Nada mudou por aqui, e continuo me sentindo esquisita depois do solavanco.
Desliguei a música que estava ouvindo. Além de esquisita, fiquei estressada e mudei para um podcast. Naquele episódio, uma jornalista falava sobre o pronunciamento que o Presidente da República, vulgo Jair Bolsonaro, fez através do seu Twitter, no qual escreveu que o comércio deve reabrir em meio à pandemia de coronavírus. Isso foi o bastante para mim. Desliguei o podcast na hora. Apesar de a imprensa diante desse cenário estar fazendo um grande trabalho informativo, devemos filtrar a quantidade de conteúdo para não ficarmos doidos.
Estava chegando ao meu destino, a próxima parada já era a minha, em frente a Secretaria de Cultura, mas nada fez mudar os meus sentimentos. Afinal, ninguém é feliz todos os dias, então comecei a refletir que todos estamos passamos por esses dias ruins e temos que aprender a encará-los e nos adaptarmos a esse novo cenário que o mundo está passando. São tantos estímulos paradoxais ao mesmo tempo, tanta cobrança externa e interna, tanta pressão que vira e mexe eu olho em volta e penso: Caramba! É difícil, É puxado e a gente simplesmente não se dá o tempo para se sentir importante no meio disso tudo.
Meus maiores conflitos são os internos. Enfrento esse mundo todos os dias, problemas familiares, trabalho, faculdade, vida sentimental, mas o que me tira do sério é travar uma guerra comigo mesma diariamente. Às vezes, ela é necessária para encarar e entender meus pensamentos. Do estranhamento, vem a compreensão.
Bom, cheguei na minha parada. Não sei se me desacelerei ou reacelerei. Acho que depende do ponto de vista. De toda forma, faz bem parar um pouco e dar tempo para que a vida se encarregue em colocar os pensamentos num lugar onde podemos encará-los de fato e nos permitirmos sentir mesmo aquilo que tememos. Precisamos acreditar que está tudo bem. Ou melhor, que pode não estar tudo bem agora, mas que vai ficar, mesmo com boa parte das pessoas vivendo como se fossem imunes ao vírus. Me pergunto: onde está a empatia pelo próximo? Ainda não sei ao certo, mas acredito que posso procurá-la em meus pensamentos.