O “sextou” é uma expressão nascida ainda nesse século e traz a ideia de encontrar os amigos depois de uma semana cheia de trabalhos e compromissos. Como a maiorias dos trabalhos e o comércio encerram as atividades geralmente as 18 horas da sexta-feira, amigos fazem do último dia da semana um evento para se encontrar na noite, sacramentar o fim de suas rotinas e comemorar a chegada do tão aguardado fim de semana.
“Essa quarentena tem me deixado pirado, gosto muito de socializar e sair nos fins de semana. Não poder ver os amigos e ainda pior, não poder vê-los nas festas, têm afetado meu psicológico”. Essas são palavras de Kend Alessandro, um jovem autônomo de 23 anos. Por conta do novo coronavírus, ele não pode frequentar os seus bares favoritos, como os pubs e casas de pagode onde ia frequentemente nos fins de semana para o que ele chama de relaxar e “trocar uma ideia”.
Não só o Kend, mas a maior parte da população que frequentemente saia nos embalos do fim de semana não puderam mais buscar por interação e também um pouco de bebida para esquecer o estresse de viver em um mundo capitalista. A covid-19 também dividiu esse público: de um lado, os que aguardam as orientações dos órgãos de saúde para poder sair; e de outro, os que não aguentam a espera e participam de festas clandestinas nas noites de Manaus.
O “sextou” antes e depois da quarentena
Se você usa instagram, twitter ou facebook, já deve ter visto algum de seus amigos clamando ao universo para que esse momento acabe logo e eles poderem cair na night. Mas se você não viu nada assim, sugiro que vá na sua rede social e procure pela palavra “sextou”, “beber” ou “sair” na caixa de busca.
Certamente, depois de fazer isso você encontrará um mar de gente reclamando de não poder sair. Vão ser vários os memes sobre pessoas que não estão amando “sextar” em casa, outros sobre se divertir sozinho em casa, e também possíveis soluções de como aproveitar o momento na atual situação que vivemos. Maicon Douglas, 24 anos, estudante de administração, até tenta, mas explica que as possibilidades de se divertir em casa são infinitas. “As lives e os memes tem me ajudado muito a preencher esse buraco causado pela quarentena”, comenta.
Perguntei dele como era a preparação par ao “sextou” que ele fazia antes da pandemia. “Eu começava logo de manhã a postar no meus stories que hoje era dia de sextar, aí meus amigos já mandavam um ‘onde é hoje?’. Eu geralmente marcava em um pagode aqui na Zona Sul. Ficava ansiosamente no trabalho esperando dar 18 horas para poder sair e ir para casa ficar ‘no grau’ para o pagodinho. Depois disso, era só aguardar os amigos chegarem para rir, sambar e conversar a noite toda”.
Lembra do Kend? Eu o citei alguns parágrafos acima, quando ele comentou que a quarentena estava afetando o seu psicológico. Fiz a ele a mesma pergunta que fiz para o Maicon. O Kend então me respondeu assim: “O meu ‘sextou’ era mágico, já acordava com um sorriso diferente no rosto. Ia para o trabalho todo feliz, acho até que meu rendimento era melhor nas sextas. Quando chegava em casa depois do trabalho, me arrumava rapidamente e ia para o La Casa, sempre ia para lá porque sabia que meus amigos estariam no pub. Quando chegava, comprava uma catupirinha, que é catuaba com caipirinha, e pronto, me sentia livre e feliz”.
Hoje, o sextar em casa é a única opção para aqueles que optaram por se manterem seguros, longe de uma possível contaminação pelo novo coronavírus. Mesmo que as pessoas busquem algum bar ou casa de shows abertos na cidade, não encontrariam (na teoria, né?), pois a ordem do governo do Amazonas e da Associação de Entretenimento do Amazonas (Asseam), anunciada no dia 17 de abril, decretou o fechamento de casas noturnas e bares por tempo indeterminado como uma medida preventiva diante das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A partir daí, as pessoas precisaram também reinventar o “sextou”. Muitas ideias foram criadas, como entrar nas plataformas de vídeo chamadas com os amigos, botar as músicas que todo mundo gosta e dançar. Tem aqueles que preferem seguir as listas de lives dos seus artistas favoritos, juntar o povo que está em casa e beber acompanhado. Ainda existe os que ficam em seus quartos com suas bebidas favoritas, vendo as lives sozinhos e comentando nas redes sociais.
Segundo dados do YouTube obtidos pela Revista Exame, as buscas por conteúdo ao vivo cresceram 4.900% no Brasil na quarentena. O fenômeno é mundial. A consultoria americana Tubular Labs, especializada no segmento de vídeos na internet, indica que houve um crescimento de 19% nas transmissões ao vivo pelo YouTube no fim de março uma média de quase 3,5 bilhões de minutos de conteúdo por dia.
Esse crescimento no aumento de lives vem muito dessa nova forma de “sextar” que acalmou parte de quem tinha rotinas prontas nos fins de semanas. De certa forma, também aproximou o público dos artistas. Se antes víamos shows com produções gigantes e cantores muito bem produzidos, hoje os encaramos muito mais como pessoas comuns dentro de suas casas. Assim se observou com a cantora Marília Mendonça, que apareceu de chinelo para seus fãs em sua live na sala de seu apartamento.
A estratégia deu certo e a espontaneidade, longe de decepcionar o público, acaba agradando. “Achei muito engraçado, um dia desses, assistir à live da Ivete Sangalo. Ela estava em sua cozinha, interagindo com os fãs e ao mesmo tempo com a família, usando um pijama de dormir e chinelo. Foi a melhor live que assisti”, recorda Maicon.
Os casos citados são parte de um fenômeno que ganhou força durante a pandemia da covid-19. Como boa parte das pessoas teve de permanecer em casa, artistas, empresas, empreendedores, professores, padres e prestadores de serviço descobriram nas transmissões em vídeo uma nova maneira de interagir com o público. Assim, as pessoas também descobriram que podem fazer sua própria rotina de shows de ir do pagode à música eletrônica em apenas um clique.
Esse foi o caso do Kend, gostou muito de como pode acompanhar suas lives favoritas e mudar em segundos para outros artistas. Ele ainda leva com muito humor a sua nova rotina do seu “sextar” em casa e brinca com o dinheiro que ele economiza ficando em casa. “Eu compro o meu litrão antecipadamente. Quando vou fazer compras, pesquiso quais artistas vão tocar naquele dia, me arrumo e começo a assistir. Confesso que tenho bebido da mesma forma de antes da pandemia. Fico bem louco assistindo. O bom da quarentena é que nunca ficou tão fácil chegar em casa bêbado; a única dificuldade é encontrar minha cama”, brinca Kend.
Festas ilegais
A Prefeitura de Manaus suspendeu, até o final de junho deste ano, a concessão de licenças para eventos públicos de qualquer natureza na capital. A medida é para evitar as aglomerações e contágio pelo novo coronavírus. Na contramão da segurança, pessoas tem se arriscado nas madrugadas dos fins de semanas para poder se encontrar e participar do que hoje é classificado como festas ilegais.
“Não é hora para festas, comemorações e concentrações públicas. Estamos enfrentando um inimigo invisível, do qual não conhecemos as armas e as táticas. Portanto, nossa única defesa como cidadão é manter o isolamento social e atendermos as recomendações dos especialistas em saúde”, disse o prefeito Arthur Virgílio Neto em entrevista ao portal G1.
A preocupação dele com as aglomerações em festas segue as orientações da OMS de manter o isolamento social. Mas como todo brasileiro, o manauara tem dado um jeitinho, organizando festas na calada da noite. Elas não seguem nenhuma recomendação dos órgãos de saúde e as pessoas evitam até mesmo o uso das máscaras, aumentando ainda mais a possibilidade de contrair a Covid-19 e, por conseguinte, a espera daqueles que aguardam as coisas melhorarem para poder sair.
Conversei com uma mulher que está frequentando constantemente essas festas ilegais, mas que não quis se identificar. Vamos chamá-la de Brenda. Ela tem 19 anos e atualmente está desempregada. A Brenda explica que ir a essas festas a tem salvado de enlouquecer, embora reconheça o perigo. “Precisava realmente sair, mesmo sabendo dos riscos de contrair o novo coronavírus, mas me preocupo em não manter contato com as pessoas que escolheram ficar em casa”. Ela promete ainda não ir para essas festas caso contraia o vírus.
Brenda tem a visão equivocada de que sair com pessoas conhecidas reduz a gravidade das festas ilegais. No entanto, estudos apontam que uma única pessoa pode transferir o coronavírus para três outras, gerando uma espiral de casos. Pedi a ela que me descrevesse como são as festas que costuma ir. “Geralmente essas festas são organizadas de última hora, não tem segurança na porta, pois as vezes é um aniversário de alguém que só quis comemorar seu ‘niver’. Então não precisa ter essas preocupações, os convidados são amigos de amigos, tudo é muito seguro. Eu até vou de mascará para a festa, mas quando chego lá, tiro, pois ninguém está usando. Acho que as pessoas que vão acreditam que não existe possibilidade alguma de estarem com covid”.
Por mais compreensivos que sejamos, está claro que não dá para brincar com a Covid-19, ainda mais no país que vêm batendo recordes de morte por dia. Só na noite do domingo, 07 de junho, o Brasil cravou 1.382 novas mortes por Covid-19. Com os números atualizados até o fechamento desta reportagem, o país já registrava 37.312 mortes e 685.427 casos confirmados.
Exemplos como o da Brenda não devem ser seguidos, pois se arriscar por um pouco de diversão e contar com a sorte nesse momento é como entrar em meio a um tiroteio e ficar parado. Ela citou que as festas a salvavam da solidão, mas se compararmos com as orientações da OMS, você possivelmente verá que a palavra salvar não tem ligação nenhuma com essas festas ilegais.
As festas ilegais têm usado da fragilidade mental das pessoas para alcançar um público. Além dos riscos à saúde por conta do vírus, não há segurança por parte de seus organizadores, seja na questão da saúde ou da violência, o que se pode observar a partir das apreensões feitas pela polícia militar do estado em vários desses eventos. Neles, encontram-se constantemente armas de fogos, armas brancas e um número grande de drogas, como relata o policial militar Antônio Freitas, que tem atuado na Zona Leste da cidade.
Para se ter uma ideia, este primeiro fim de semana do mês de junho fim, a Secretaria de Segurança Pública do Estado, registrou 30 ocorrências de festas clandestinas em Manaus. O policial militar Antônio lamenta essa postura da população. “Essas festas são um total desrespeito às pessoas que estão se esforçando para ficar em casa. Acho que as pessoas que estão indo para esses locais não tem amor próprio e muito menos amor pela sua família”, lamenta.
No apoio à polícia militar, as pessoas têm denunciado as festas ilegais através do disk 190, mas outra forma de denúncia menos ortodoxa vem chamando atenção. Hoje, através das redes sociais, é possível ver diversas páginas expondo pessoas que têm feito ou participado de aglomerações. Exemplo disto está no twitter na página @covid19amigosAM, que recebe prints de pessoas que compartilham em seus stories festa ou locais de aglomeração.
A quarentena mudou a rotina de milhões de brasileiros, trouxe novas experiências e obrigou a um convívio 24 horas com os próprios parentes. Muitos entendem que o sacrifício feito hoje será essencial para eliminar o vírus do país, e que ele demanda que nos humanizemos pelo bem de todos através de pequenos atos, como escolher ficar em casa quando podia estar em uma festa. Aparentemente pequeno, o gesto tem uma grandeza enorme, e por causa disso o “sextou em casa” ganha novos significados: o de consciência e amor ao próximo.