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“E aí, sextou?”: os fins de semana durante a quarentena

Os finais de semana não são mais os mesmos desde a recomendação de isolamento social. Reflexos da quarentena na vida de empresários, trabalhadores e boêmios.
Reportagem de Maickson Serrão e Ronaldo Martins 
Estudantes do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 18 de junho de 2020
Foto: Reprodução - Freepik
Sexta-feira chegando e o brasileiro já ficava na expectativa pelo fim de semana sinônimo de diversão, encontro com amigos, barzinho ou churrasco. Sempre regado ao consumo de bebidas alcoólicas para aliviar o estresse e a carga de trabalho da semana, claro.

Do outro lado do balcão, para empresários do ramo de bares e afins, o sextou era sinônimo de maior público e, consequente, lucratividade mais elevada. Mas por conta da pandemia do novo coronavírus e o isolamento social recomendado por autoridades de saúde em todo o mundo, governadores e prefeitos baixaram decretos há cerca de três meses proibindo a abertura desses estabelecimentos. Mas a ideia do “sextou” permaneceu na alma do país.

Assim, o isolamento dentro de casa mudou a vida de milhões de brasileiros, que passaram a adotar novos hábitos e costumes. Home-office, noitadas reclusas, academia improvisada, reunião virtual com amigos, o lar virou palco de diferentes atividades cotidianas.

Para os notívagos, a vida boêmia ainda está longe de voltar ao normal. Em Manaus, o governo estadual elaborou um plano de abertura do comércio em quatro ciclos. No dia 01 de junho, algumas atividades comerciais não essenciais já voltaram a funcionar no primeiro ciclo, porém, bares, casas de shows e eventos não aparecem em nenhum deles e continuam com dia de abertura indefinido. 

Novo jeito de se divertir

Pedro Furtado, 22 anos, é estudante universitário e mora com duas irmãs em Manaus. É conhecido entre seus amigos pelo jeito boêmio de ser. Para Pedro, tudo é motivo de “bebemoração”: se está triste, bebe para superar; se está alegre, bebe para celebrar. “Antes da pandemia, eu aguardava com ansiedade a chegada da sexta-feira. Logo após a aula, eu saía da faculdade e, geralmente, ia com amigos tomar umas cervejas em algum barzinho e isso era a minha diversão”, conta o jovem.

O isolamento social provocou algumas alterações na vida de Pedro. Com mais tempo livre, aproveitou as horas em casa para estreitar os laços familiares. O universitário encontrou nos costumes que levava antes da pandemia uma forma para juntar a família e fazer a festa em casa “A pandemia deixa um legado para mim de saber aproveitar as boas companhias da família, e que eu preciso dar mais valor para as coisas simples da vida também”, conta Pedro.

Wanderson Almeida, 26 anos, é motorista de aplicativo e segue a mesma linha. Rotineiramente, por conta de seu trabalho, ele explora os mais diversos bairros da cidade e acaba descobrindo os locais mais badalados da noite. Foi assim que decidiu que um bar do Parque 10 é o seu favorito. Frequentava-o bastante para tomar uns drinks e conversar com amigos. “Gosto de estar com meus amigos, em roda de conversa, bebendo, brincando, aprendendo e ensinando, e a chegada do coronavírus inviabilizou isso” relata Wanderson.  

Além da manutenção da boemia dentro de casa, Pedro e Wanderson se aproximaram mais da família. O motorista de aplicativo diz que diz que aprendeu, com o isolamento social, a amar mais os seus familiares e também conseguiu uma aproximação maior com seu pai. “Meu sonho sempre foi sentar e beber algum dia com meu pai e estou tendo essa felicidade. Conseguimos fazer até karaokê em família também, está sendo muito bom. Estando com a família, dá para esquecer um pouco dos problemas e dificuldades do dia”, desabafa o jovem.

Santas Lives

O mercado de live streaming vem aquecendo o país no contexto da quarentena e tem se tornado uma alternativa para manter o humor e alegria bastante peculiar para os brasileiros. Segundo dados de uma pesquisa da BTG Pactual - Decode as buscas por “Live streaming” aumentaram em 85% entre fevereiro e abril no Brasil. 

“As lives são boas para curtir com a família, uma boa música e cerveja sempre combinam. Já fico na expectativa por elas quando o fim de semana está próximo. A gente acaba esquecendo esse momento difícil por um tempo” diz o jovem estudante Pedro Furtado.

Em abril, ainda segundo pesquisa BTG Pactual-Decode, as lives musicais brasileiras disponíveis na plataforma Youtube apresentaram 206 milhões de visualizações. Cerca de 90% do total das views foram registradas nos gêneros sertanejo e pagode.

Apreciador de uma boa música sertaneja, Wanderson anota no celular o dia e horário das lives para não perder nenhum show carregado de modão e alegria. Desde o início das lives, ele vem acompanhando de perto a cobertura divulgada na maioria das vezes pelo próprio Youtube. No meio de semana, ele dá início aos preparativos até a chegada da tão esperada sofrência. “Vou ao supermercado na quarta-feira e já coloco no carrinho cerveja e carne para curtir assistindo as lives sertanejas”.

Nem tudo são flores

Enquanto muitas pessoas encontraram durante o tempo de isolamento social maneiras de relembrar o “sextou” que viviam antes da chegada do Covid-19, para outras a pandemia só representou tristeza e a perda do emprego. Devido a decisão dos governos ordenando o fechamento de bares e restaurantes como forma de prevenção e para impedir a propagação do vírus, empresários do ramo de bebidas e alimentação viram uma forte queda no faturamento dos negócios, o que gerou a demissão de milhares de brasileiros. 

O Amazonas foi um dos principais Estados afetados pela crise. Segundo a Associação Amazonense de Bares e Restaurantes (Abrasel-AM), os segmentos de consumo fora do lar empregam cerca de 80 mil pessoas no estado, mas devido à queda de 90% no fluxo dos estabelecimentos, o setor já totalizou a demissão de aproximadamente 30% dos funcionários desde a suspensão das atividades. Reflexo desse cenário foi a garçonete Daniele Freitas, de 25 anos, que sempre ganhou a vida trabalhando nesse segmento.

Em uma noite de sexta-feira, logo no início dos primeiros casos de coronavírus confirmados na capital amazonense, havia o temor e angústia nas pessoas pelo perigo de morte decorrente da doença. Em março, a movimentação num pub localizado no Parque das Laranjeiras, zona centro-sul, conhecido por ser local de encontro e casa cheia, era atípica do registrado diariamente. "Fui trabalhar normalmente, nesse dia não tinha dado quase ninguém no bar. Depois do fim de expediente, a nossa patroa reuniu a equipe de funcionários e disse que não iria mais abrir por conta do baixo movimento. Eu fiquei em choque, achei estranho essa decisão de uma hora para outra”, desabafa Daniele.

A proprietária do bar justificou que a falta da renda que o estabelecimento arrecadava antes da pandemia impossibilitava o pagamento da folha salarial dos funcionários, achando melhor fechar. Como não havia vínculo empregatício formal entre Daniele e o bar, o que restou para a garçonete foi uma “indenização” de apenas R$ 150, divididos em três vezes e paga semanalmente, além de receber uma mesa do bar como parte do pagamento. A notícia veio num momento muito difícil para Daniele, que tinha como única fonte de renda o salário que recebia como garçonete.

Atualmente desempregada, a jovem se mantém com o dinheiro que recebe do auxílio emergencial - programa de transferência de renda do Governo Federal - e com doações de pessoas com quem acabou criando amizade durante o tempo em que trabalhou no local. "Meus amigos do trabalho e os clientes que atendia estão me ajudando muito nesse momento difícil que estou passando. Se não fosse por eles, talvez estivesse passando fome", conta com tristeza a garçonete.

Apesar do momento difícil em que se encontra, Daniele é otimista quando o assunto é o futuro. Antes de dormir, todos os dias, ela faz uma oração para que a situação momentânea passe o mais rápido possível. Com a volta da normalidade no funcionamento dos bares, torce, ainda, com a chegada de um novo emprego para levar o sustento para dentro de casa. “Sou mulher, sou guerreira, e tenho fé que vou conseguir um trabalho assim que isso passar”. Enquanto o isolamento social permanece, a jovem procura nas coisas simples do cotidiano forças para superar o momento difícil. “Estou fazendo coisas que antes não fazia. É um momento de aprendizagem também, e assim vou levando a vida”, resume.  

Faturamento em alta

Se para uns a pandemia tem sido ruim e motivo de tristeza, Luciane Castro, 35 anos, não tem o que reclamar. “As vendas estão sendo maravilhosas. Estou na melhor fase da minha vida nos negócios”, diz a proprietária do Mercadinho e Bar da Luciane, localizado no bairro Presidente Vargas, vizinho ao Centro de Manaus. 

É um espaço simples, pequeno, as mesas dividem espaço na calçada. O ambiente é aconchegante e a “Lu”, como é carinhosamente chamada por seus clientes, se orgulha de nunca ter acontecido nenhuma briga no local.

Por estar incluso como mercadinho, é considerado como atividade comercial essencial e, portanto, pôde estar aberto durante todo o período da quarentena. Assim, as vendas dispararam, pois, o bar é um dos únicos abertos em toda a região. 

“Não tenho medo do vírus, confio em Deus e tenho boa resistência, não fico doente e não paro quieta”, pondera a empresária. Luciane diz ainda que não tem o “prestígio” de poder ficar em casa. “Sou obrigada a vir trabalhar para sobreviver, não tenho outra renda”, comenta, com o sorriso por trás dos números altos que a pandemia tem gerado em seus faturamentos.

Célio Silva, 30 anos, dono de distribuidora de bebidas no bairro da Redenção, também diz que as vendas de bebidas aumentaram bastante. Um fato peculiar para Célio foi o de todos os integrantes de sua família terem testado positivo para o covid-19. Com isso, tiveram que fazer revezamento no atendimento - por conta do período de transmissão do vírus - e, isso deixou lacunas no quadro de funcionários. “No começo da pandemia, as vendas caíram em geral, mas com o passar dos dias a venda de bebidas aumentou bastante, principalmente nos dias que tinham as lives dos artistas”, relembra o jovem empresário.

Em sua distribuidora, ele diz que a maioria das vendas de bebidas é de forma presencial. A clientela que pede por delivery é mais aquela que têm algum familiar no grupo de risco do novo coronavírus.

Boemia com segurança

Devido ao perigo da contaminação pelo vírus, a forma de pedido via delivery é uma alternativa segura tanto para empresários quanto aos consumidores. Bebidas, destilados, energéticos e tira-gostos estão entre as opções que podem chegar até a casa do cliente. Em Manaus, algumas distribuidoras já vêm funcionando 24 horas durante a pandemia.

Para quem prefere economizar na taxa de entrega, há a opção de atendimento em formato parecido ao drive thru, com acesso rápido e recebimento das compras no próprio veículo. O comércio de Luciane Castro, por estar localizado em uma via de principal acesso ao centro de Manaus, é um ponto de parada para clientes que vem apenas comprar para consumir em casa. 

“O delivery nos permite que com apenas alguns toques no celular possamos pedir de casa, com toda comodidade. Tem o lance da taxa de entrega, mas vale muito a pena pagar uns reais a mais e não correr o risco de ser contaminado com o vírus”, pontua o estudante Pedro Furtado. E assim, boêmios e empreendedores seguem, sexta após sexta, até que a pandemia parta e encha as mesas dos bares de Manaus novamente.
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