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Quarentena em ritmo de samba 

Os sambistas Dudu Brasil e seu pai, Edu do Banjo, enfrentam o isolamento social juntos e passam pela descoberta de se reinventarem e descobrirem novos processos criativos.
Reportagem de Beatriz Agnes e Thaiana Andrade 
Estudantes do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 19 de junho de 2020
Foto: Acervo pessoal - Dudu Brasil
“A música acalenta os corações. Nessa época de confinamento, é normal as pessoas se sentirem desmotivadas, cabisbaixas e até em algum momento, sofrerem de depressão. A música leva sentido à vida”. A reflexão é do jovem sambista manaura Dudu Brasil, que, tal como muitos de nós, enfrenta os percalços do isolamento social durante a pandemia do novo Coronavírus.

A música é arte, utiliza da voz e instrumentos para expressar algo a alguém. Há quem diga que não consegue viver sem a música, tamanha a importância atribuída a ela na vida. Ela pode está presente 24 horas por dia, desde o acordar ao ir dormir. Brega, pagode, sertanejo, samba, MPB, não importa, é através de suas variáveis que ela aquece os corações. 

Durante a pandemia, os dias tem passado voando, em um piscar de olhos, mas o estresse e o tédio são constantes como bem pontuou Dudu. Uma maneira para relaxar e descontrair é ouvir uma boa e agradável melodia. E os artistas têm ajudado bastante nisso, seja através de lives ou pelas suas redes sociais.  

Para Dudu Brasil, apesar de preocupante e caótico, esse período em que estávamos vivendo tem sido proveitoso para ele como artista. Durante o tempo em casa, anda compondo bastante, inclusive, tem se dedicado inteiramente a escrever seu mais novo CD, programado para ser lançado no próximo ano. Ele aproveita a tecnologia para compor também com parceiros musicais via aplicativo de mensagens. Ah internet, obrigada por existir. É graças à tecnologia que temos conseguindo levar uma vida um pouco mais normal, com ensaios presenciais parados, a alternativa para não ficar estagnado é agir por conta própria. 

Eduardo Brasil, mais conhecido como Dudu, tem 21 anos. É cantor, compositor, estudante de Música e de Publicidade e Propaganda em Manaus. Apaixonado pela primeira, tem o samba na veia. Afinal, ele foi criado e educado no meio artístico, vindo de uma família de músicos: avós, tios, pai e primos são todos sambistas, e por isso o ritmo entrou em sua vida de forma natural. “Como aprender a falar ou andar, não tinha como fugir”, brincou.

Ele praticamente já nasceu ouvindo artistas como Noel Rosa e Pixinguinha, e as referências musicais que o guiam na carreira são inúmeras. Além dos citados, nomes como Tom Jobim, Cartola, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso o acompanham desde muito novo, mas não deixa de se inspirar também em artistas da sua geração, como Silva e Tiago Iorc. “Todos esses, de alguma forma, tem influencia no som que faco”, explica. 

Dudu tem referenciais musicais óbvios em casa, passando esse período de isolamento ao lado do seu pai, Edu do Banjo. Este é o primeiro a ouvir e opinar sobre os próximos sucessos do filho, uma avaliação sem preço para qualquer jovem músico, uma vez que a carreira de Edu já tem mais de 30 anos, com direito a ter sido tema do enredo da Beija-Flor no carnaval de 2019, dentre inúmeros feitos.

Mesmo com o mundo vivendo de cabeça pra baixo, os músicos e sambistas não deixam passar em branco suas maiores realizações profissionais. Para Edu do Banjo, seu maior feito foi ter gravado um LP, o “Bamba Brasil”, e ser o sambista representante da região norte do Brasil na coletânea. Além disso, há o fato de ter morado no Rio de Janeiro e convivido com grandes nomes da música, como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, João Nogueira, dentre outros artistas. 

Já para Dudu Brasil, sua maior realização foi ter lançado o primeiro CD no Bip-Bip em Copacabana, local importantíssimo para o samba carioca, além de desfilar tocando violão de sete corda na Marquês de Sapucaí com a escola “Estácio de Sá” (grupo de acesso) e ter sido campeão. Além disso, participou do programa Legendários (TV Record, São Paulo) e já conheceu pessoalmente os sambistas Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Benito de Paula, Arlindo Cruz e Jorge Aragão.

Arte sem limites

O processo criativo dos artistas em geral tem se dado de maneira um pouco diferente durante o isolamento. Dudu, por exemplo, normalmente se encontrava com algum parceiro musical para comporem juntos, numa troca orgânica que facilitava o processo. Agora, mais uma vez graças à internet, estão fazendo o mesmo via apps. 

Assim, o processo de produção musical também foi algo que mudou. Antes, tudo era feito no estúdio, onde lia a partitura e gravava de acordo com o que o arranjador ou produtor musical pretendia. Agora, é feito por home office: “o produtor envia a partitura e a base por e-mail e gravo no estúdio de casa. Depois, o brainstorm é feito por Whatsapp para saber o que pode ser modificado e melhorado”, explica Dudu. 

As rotinas de Dudu Brasil e Edu do Banjo corriam normalmente até março, quando decretou-se o isolamento social em Manaus: ensaios, trabalho, aulas, eventos, shows, família, gravações. Mas o anúncio sobre a pandemia Mudou tudo. “Foi um choque profundo”, explica Dudu. “Todos em casa temos uma rotina agitada, e ter que parar tudo e reduzir a velocidade não foi fácil, mas além dessas mudanças, este é um momento de reflexão sobre os valores da sociedade”, reflete o músico.

Com bares e casas de shows fechados na capital amazonense há aproximadamente três meses, shows foram suspensos e ou cancelados, e os artistas precisaram buscar alternativas para continuar se apresentando e mantendo contato com seus admiradores. Dudu tem se dedicado a lives em redes sociais, voz e violão. Sem a banda, para evitar aglomerações, claro. 

Outra opção que ganhou espaço durante a pandemia foi o ato de músicos orarem e cantarem nas varandas de seus apartamentos. Em vários condomínios da cidade, pôde-se presenciar atitudes como essa, e foi de forma totalmente espontânea que Dudu também tomou essa iniciativa. Um grupo de vizinhos do condomínio onde mora pegaram uma caixa de som e um microfone e começaram a orar em prol da humanidade. No final, o convidaram para cantar uma musica. “Fiquei surpreso e um pouco receoso, mas fui. Filmaram e aquilo viralizou de uma forma inexplicável nas redes”, relembra. 

E assim, páginas dos mais diversos públicos compartilharam a “canja” de Dudu, e canais de TV o procuraram para gravar uma matéria. “Foi surreal!”, resume o músico. O sucesso não parou por aí, pois virou quase uma tradição: todo domingo, na varanda, ela passou a levar um som para os vizinhos como uma forma de acalentar os corações e trazer um pouco mais de fé em tempos tão difíceis. 

Se a música tem influência positiva sobre a vida das pessoas, acalmando, relaxando e divertindo, Dudu pôde comprovar isso na prática. “Me pediram pra continuar cantando na varanda em outros dias. Fiquei com um pé atrás, pois talvez houvesse pessoas do condomínio que não quisessem ser incomodadas com o barulho. Talvez quisessem dormir, estudar, não escutar, sei lá… De todo modo, eu estaria adentrando as casas delas sem ter permissão. Porém, como ninguém foi contra e a maioria insistiu para eu continuar cantando na varanda, continuei a ideia, levando entretenimento e alegria aos vizinhos confinados”. A atitude não fazia bem apenas para os que ouviam, mas para quem cantava também. “A troca de energia com o público é algo inexplicável e saudável pro artista”, frisa.  

O impacto das mudanças

A rotina de Dudu Brasil e Edu do Banjo era agitada antes da pandemia. Com a decisão pelo isolamento social, que vigora desde março e que só a partir de junho começou a gradualmente se tornar mais flexível, esse ritmo foi quebrado. “Tocávamos aos sábados na feijoada da Búfalo do Vieiralves e estávamos fechando um contrato no [pub] Intocáveis, no mesmo bairro. Além disso, outros contratos particulares e de eventos foram suspensos, como o show dos cantores Jorge Vercillo e Jorge Aragão, no qual iríamos fazer o pré-show”, conta Dudu. 

Mas pai e filho não se deixaram abater e tiveram que se reinventar no mundo da música. Foi quando começaram a organizar suas lives, as quais têm sido o palco de muitos cantores durante esse tempo. A adaptação aos avanços tecnológicos para ambos se deu de forma natural. “É importante o artista se renovar, pois o mundo está sempre em transformação. A internet veio para ficar. É um meio de comunicação democrático, de fácil acesso e com um amplo leque de possibilidades”, avalia Edu do Banjo. O filho concorda, mas destaca que só a web não é o suficiente. “As redes sociais que usamos auxiliam na divulgação dos nossos trabalhos, mas não é o suficiente”, conclui. 

Para eles, que vivem da arte e precisam sempre divulgar seus trabalhos, as mídias off-line ainda são um importante meio de divulgação, como por exemplo, rádios, jornais e TV. Por isso, eles utilizam os dois meios para atrair e entreter o público. “Nossos trabalhos estão disponíveis nas plataformas digitais, mas mesmo assim ainda temos alguns CDs físicos à venda”. Para eles, as pessoas ainda sentem falta de ter algo concreto, que possam tocar, ler a ficha técnica ou olhar as fotos. 

Apesar dos percalços, Dudu tem uma visão positiva do pós-pandemia para as artes. O músico acredita que seu ofício será mais valorizado depois que o isolamento não for mais necessário. “Se antes ela já era um meio de ajuda e satisfação, após tudo isso a música estará mais presente no dia a dia das pessoas. Que elas possam dar mais valor não só a música, mas a todas as artes”, completa Dudu.  

O pai vai além, avaliando que, para aqueles que vencem a doença ou lidam com as perdas, a necessidade de exame de sua realidade imediata. “Esse momento, embora seja trágico, com certeza levará as pessoas a refletirem sobre a vida e os valores sociais”, disse Banjo. Para Dudu, as pessoas vão enxergar uma as outras com outros olhos. Ele cita até alguns versos de Junior Rodrigues, que resumem sua visão do futuro: “[...] O bem material não terá mais tanto valor. A alegria vai contaminar a terra. A moeda de troca será o amor. O bom valerá e o mau se enterra [...]”.

Com visões de mundo similares, os sambistas compartilham expectativas e medos e só têm um desejo após essa pandemia. “Encontrar um mundo melhor, mais justo, democrático e respeitoso com as diferenças. Os medos são muitos, mas o otimismo é maior”, decreta Banjo. 
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