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Os longos dias de uma quarentena

Crônica de Daniella Rodrigues
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 04 de junho de 2020
Foto: Freepik.com
Há quase dois meses, nossas rotinas mudaram completamente. Especialistas do mundo inteiro explicam que o isolamento social é a única maneira de conter a propagação do coronavírus, o que talvez nunca imaginaríamos que pudesse nos acontecer. Desde então, passo a observar atentamente a padaria vazia, as manhãs quase sem trânsito, a faculdade fechada, os trabalhos reduzidos e todo um país em casa à espera de dias melhores. E assim, a vida corrida de uma cidade grande passou a ter um ar mais sossegado, ruas mais tranquilas e famílias reunidas em suas casas, elas querendo ou não. 

No início do isolamento social, tudo foi mais brando. Eram só dez dias, eu e meus pais em casa, não tínhamos o que temer. Mas os dias foram passando e a vida teve que se readaptar às aulas on-line pela manhã, às reuniões de trabalho à tarde e às saídas só em casos essenciais. Desde então, tenho uma nova e difícil rotina, sem passeios, sem meio treino funcional, sem salão nas sextas-feiras, sem cinema e sem os cafés no shopping que eu tanto gosto. Agora, meu itinerário é o supermercado e a drogaria.

Espero ansiosa pelo dia de ir ao supermercado. Arrumo o cabelo, visualizo o batom não mais usado, arrisco até passar um rímel e preparo meus dois novos acessórios indispensáveis: a máscara e o álcool em gel. O coração até dispara sentindo a felicidade em poder sair. Apresso meus passos até o portão na euforia em poder ver pessoas, mesmo que desconhecidas.

Porém, quase sempre noto a rua deserta. No lugar de vozes, ouço apenas o canto dos pássaros. Conto o número de casas fechadas, várias por todo o trajeto. Continuo a caminhada e finalmente encontro alguns conhecidos, mas a alegria é momentânea. Ao mesmo tempo que tenho a sensação de bem-estar em poder sair de casa por alguns minutos e ver gente, fixo o meu olhar nas mudanças. As pessoas receosas, os funcionários do supermercado aflitos medindo a temperatura e oferecendo álcool em gel. No chão, observo as marcas delimitando a distância entre as pessoas. Os atendentes usam máscaras, além de uma proteção de acrílico nos caixas.  

A sensação de bem-estar muda em segundos e passo a me questionar sobre o risco que posso estar correndo em estar ali mesmo que com todos os meios de prevenção. Os pensamentos aceleram, o medo aumenta e calculo os segundos para poder pagar minhas compras e, enfim, retornar para casa, onde me sinto segura. Lembrar de como as coisas eram dói, as mudanças foram bruscas demais. 

Paro próximo à um dos caixas, fito meu olhar fixamente e os pensamentos trazem mais lembranças à tona. Como eram diferentes as idas ao supermercado! Um certo ar de tranquilidade pairava sobre o ambiente. Não era obrigatório o uso de álcool em gel e muito menos medir a temperatura das pessoas na entrada. Com facilidade notávamos os sorrisos os olhares que no máximo expressavam algum estresse da correria do dia a dia. As pessoas escolhiam suas compras sem a menor pressa, liam suas listas de produtos, analisavam e comparavam os melhores valores, os carrinhos lotados, e enfrentavam filas enormes até o caixa sem nenhum problema, sem nenhum limite de proximidade entre as pessoas. E me impressionou com como tudo mudou. 

De volta para casa, essa incerteza me aflige cada vez mais. Sinto as horas demoradas, os dias longos, isso talvez seja uma abstinência de vida social. Mas tento mudar o foco e levar as coisas tranquilamente. Às vezes, até mentalizo que estou de férias, leio meus devocionais, assisto a uma série, arrumo a casa, faço um bolo, vejo uma live de sertanejo, faço ligações por vídeo, ataco a geladeira várias vezes e planejo cortar meu próprio cabelo. Quando menos percebo, as crises ansiedade me maltratam e enfrento uma guerra contra meus próprios pensamentos explicitamente: lutar contra a ansiedade e a síndrome do pânico sem a ajuda de ansiolíticos. É difícil.

Sinto uma necessidade extrema de que tudo volte ao normal. Além disso, tenho uma saudade constante de encontrar meu namorado, amigos e o restante da família. Sinto falta de coisas simples, como chegar cedinho na faculdade, andar pelos corredores, observar a água em um tom tão azul da piscina logo na entrada, cumprimentar os seguranças, as tias da limpeza e esperar minha melhor amiga no lanche próximo ao elevador para tomarmos café enquanto conversávamos, ríamos e reclamávamos do amigo que sempre chegava atrasado nas aulas. Enquanto aqui escrevo, posso até ouvir a voz de um colega que estava sempre cantando as músicas da Anitta ao longo de corredores arejados entre as aulas.

Nessas horas percebo que talvez nada será como antes, pois quando todo esse pesadelo passar, iremos valorizar cada detalhe que antes passaria despercebido por nossos olhares. Só assim podemos perceber que a vida de verdade que acontece lá fora, no mundo, entre os trabalhos, as reuniões, happy hours e até compras no shopping é sensacional. Aqui, dentro de nossas casas, temos agora um refúgio para escapar dos problemas do mundo.

 Depois desse apocalipse, espero que tenhamos tempo de sobra para colocar a vida em dia. Mas, por enquanto, álcool gel na mão, retiro espiritual no sofá da sala e muita paciência para evitar as crises de ansiedade e não surtar. 
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