“Deslocamento Pendular”. Você já ouviu essa expressão? Sabe o significado dela? Eu sei bem. Essa é a minha realidade há quase três anos, ir de Manacapuru até Manaus e depois, no mesmo dia, de Manaus a Manacapuru. É um grande desafio, mas é o sacrifício que eu e mais de mil alunos do município precisamos fazer todos os dias.
O transporte é disponibilizado pela Prefeitura e os alunos pagam uma taxa de 40 reais mensalmente. A Associação dos Universitários de Manacapuru (Ameum) foi criada pelos universitários com o intuito de cobrar pelos direitos dos acadêmicos perante o governo municipal. Ela é a responsável pelo cadastro, recebimento da taxa, fiscalização da manutenção dos veículos e a organização dos estudantes nas viagens diárias á Manaus. A diretoria e o serviço de fiscalização são compostos apenas por alunos.
Minha rotina começa às quatro horas da manhã. Arrumo-me para pegar o ônibus às cinco. Vou de carro com o meu avô até a beira da estrada e aguardo minha condução. O motorista é avisado sobre onde tem que parar pelos fiscais, e assim seguimos através da rodovia em reforma. Pela janela, observo o nascer do sol, as árvores, as poucas casas que tem pelo trajeto. Depois de mais ou menos uma hora, passo pela Ponte Jornalista Phelippe Daou e vejo o Rio Negro. Dali, ainda sigo até a Praça da Saudade, no Centro de Manaus, onde pego outro ônibus para chegar à faculdade.
Algumas vezes durante o percurso, que dura ao todo quase duas horas, notei o quanto algumas pessoas são difíceis de conviver. Há regras impostas pela Associação dos Universitários para o uso do veículo, regras simples, como não jogar lixo no chão, não comer dentro do mesmo, não conversar e rir alto. Assim como eu, muitos aproveitam o trajeto para descansar. Ou tentam.
Afinal, a falta de educação e empatia impossibilitam alguns de acatar as normas, dificultando mais a viagem. Sem falar que a prefeitura não oferece um serviço de transporte bom e por diversas vezes ficamos no prego no meio da estrada ou presos na ponte por falta de cintos de seguranças em todas as poltronas. Falta ar-condicionado em alguns veículos também, piorando a situação em dias muito quentes ou chuvosos, fazendo com que a gente chegue a nossos destinos suados, descabelados, com as roupas amassadas e alguns alunos até passando mal com o calor e a poeira da estrada. Entretanto, nada é resolvido. Os motoristas também passam por dificuldades, ficando alguns meses com os salários atrasados e precisam ameaçar entrar em greve para que a prefeitura entre em acordo com eles e faça o pagamento.
Como falei, a minha jornada não acaba na Praça da Saudade em Manaus; de lá, preciso pegar outro transporte e sigo nele pela Avenida Álvaro Maia. Observo o transito, a arborização da rua, os prédios e o entra e sai das pessoas do veículo. A maioria está sempre bem arrumada, indo ao trabalho, escola ou faculdade.
Depois de muitas paradas, finalmente chega à minha vez de descer. E então sigo o trajeto a pé. Ando por uma rua bonita, cheia de pessoas, observo os prédios às lojas de roupas chiques os restaurantes. Passo também por uma praça, onde paro no café da Dona Mima, uma mulher muito simpática, que vende um café regional maravilhoso. Depois de comer, ando mais uns três minutos até a minha instituição.
Quando a aula acaba, lá pras onze da manhã, volto para a Praça da Saudade, e enquanto espero lotar o ônibus, torço para voltar a Manacapuru em um com ar-condicionado funcionando para descansar melhor. A volta é mais demorada, por conta do horário de pico do transito. por isso, chego em casa por volta das duas da tarde. Cansada, suja e com muita fome.
No decorrer dessa viagem, sempre me pego refletindo sobre minha força de vontade de concluir essa graduação. Talvez se eu não a almejasse tanto, já teria desistido, como muitos colegas que conheci ao longo do tempo. Mas verdade seja dita, nessa jornada, coisas boas aconteceram também. Conheci pessoas maravilhosas, fiz amizades que pretendo levar para toda a vida.
Estou realizando o sonho de cursar jornalismo e eu sempre tive a certeza que não seria fácil, porém, os perrengues me fizeram amadurecer e ficar mais independente. Acredito que devemos sempre tirar coisas boas de situações ruins. Aprender a andar de ônibus na capital, por exemplo, é muito desafiador para alguém que vem do interior. Já a responsabilidade de acordar todos os dias muito cedo é, para mim, uma vitória, embora normal para alguém que cresceu e amadureceu.
Agora com a quarentena, estou tendo aulas remotas em casa. Se alguém me falasse que eu teria que estudar em Manacapuru mesmo há alguns meses, confesso que gostaria da ideia, todavia, mesmo com a instituição se esforçando para manter tudo o mais normal possível, sinto falta de estar na sala de aula. Nunca imaginei que sentiria falta de sair cedo e voltar tarde para casa, sinto saudades até dos ônibus, das pessoas, de ter a vida agitada e, principalmente, de todos os meus amigos. Não vejo a hora de ter minha rotina de volta, espero que tudo volte o mais breve possível não ao normal, mas melhor, cada vez melhor. Se for possível, com ar-condicionado.