Oito horas. Às vezes o lado bom de morar no Morro da Liberdade é que não precisa adiantar os afazeres para chegar no horário exato no Centro. Podemos escolher os horários para definir os afazeres. O lado ruim é que, para morar no Morro, precisa ter paciência, pois muitas das coisas que em outros pontos da cidade parecem normais, como semáforos, um centro comercial grande, uma praça cheia de flores, entre outras coisas, aqui inexiste. A cultura dos bairros de classe média é outra, e em especial, o Morro da Liberdade, é normal presenciar uma guerra de tráfico, a quebra das leis de trânsito ou uma simples viagem de transporte público que se torna uma verdadeira jornada.
Dez para as nove. Os horários em que a limusine (modo como gosto de chamar o ônibus) passa é sempre o mesmo: 8h50, 9h50, 10h50. O 713 vem vazio, mas ainda sim, existe uma mistura de personalidades, e pode-se dizer que os lugares são definidos de acordo com o seu grupo, igual naqueles filmes de comédia adolescente em que a mesa do refeitório define a tribo do estudante. Nos assentos da frente, geralmente sentam os idosos, que gostam de conversar com o motorista. No meio sentam as pessoas que gostam de apreciar a paisagem e focar na playlist que toca no fone de ouvido. Nos bancos altos sempre estão presentes mãe e filhos indo ao Centro e quase sempre reclamam da lotação do ônibus. Nos assentos do fundo estão os militares que prestam serviço nas vilas da zona sul, muitos com um forte sotaque carioca.
Isso me traz lembranças do Rio de Janeiro. Que saudade dos meus avós, dos meus tios, dos meus primos. Que saudade de tomar Guaravita na hora do lanche com a minha prima. Saudades de fazer planos para passar um final de semana lá e até de falar o quão perigoso é andar pelas ruas de Vila da Penha. Porém, nada melhor do que morar em Manaus, e até mesmo morar no Morro da Liberdade.
Nove horas. Após três paradas, o ônibus vai enchendo, sobem cerca de seis pessoas por parada. Não demora muito para que os assentos sejam preenchidos. As pessoas seguem aliviadas, pois o ônibus passou no horário de costume; outras brigam com o motorista por conta da demora. Mas no fim das contas, o motorista não tem culpa se existe apenas um transporte para atender o subúrbio.
“Ok, fique calma! Você vai chegar na hora!’’, repito em minha mente enquanto olho para o relógio e o ônibus ainda está saindo do bairro. Com certeza, o lado ruim de morar no Morro é que o ônibus demora cerca de uma hora para passar. De quem é a culpa disso? Senhor Prefeito, a população de classe média também têm obrigações e deveres, os trabalhadores também precisam se locomover. Será que só uma linha consegue dar conta de todos os bairros que fazem parte do subúrbio da cidade?
Nove horas e cinco minutos. O 713 ainda está fazendo o percurso da Ponte da Maués, Meu Deus! De carro o trajeto duraria cerca de dez minutos, por que o ônibus precisa demorar tanto? Fala sério! Os semáforos que costumam estar sempre abertos para a passagem dos veículos devem saber que estou atrasada. Quinze minutos de tolerância para bater o ponto no estágio não é o suficiente quando se mora no Morro. Talvez eu precise acordar mais cedo e pegar a limusine em outro horário. Mas se isso acontecer, chegarei cedo demais e meu computador não poderá ser desbloqueado antes do horário de expediente!
Tento não prestar atenção no horário com o intuito de fazer com que a hora passe mais rápido e a preocupação desapareça da minha cabeça. De cima da ponte, a paisagem dos conjuntos habitacionais com o céu azulado fica bonita. Apesar disso, o igarapé coberto de lixo estraga a visão.
Atravessar a ponte também me traz lembranças do Carnaval, quando, com apenas seis anos de idade, minha mãe me levou pela primeira vez em um ensaio da escola de samba. Quem diria que, naquele momento, eu me apaixonaria pelo ritmo da bateria da Reino Unido da Liberdade? O forte barulho da porta do ônibus fechando me faz voltar à tona dos pensamentos. Além de demorar para passar, o 713 ainda possui diversos problemas, e um deles é esse barulho!
Nove horas e dez minutos. Eu não acredito que só se passaram cinco minutos desde a última vez que olhei para o relógio! No entanto, pelo menos o meu querido ônibus já está chegando no Centro. Isso me lembra muito quando eu estava no Ensino Médio e tinha que pegar o ônibus muito cedo para chegar no horário para entrar na escola.
Além de ser o único ônibus que passa no bairro, o 713 dá uma volta enorme até chegar na Sete de Setembro, e era nessa avenida onde eu descia. Nossa, dá até uma saudade dessa época em que encontrava minha melhor amiga no ônibus e ela sempre guardava o meu lugar no fundo do busão, e parecia que todo mundo sabia que ela estava me esperando. Ah, e tinha aquele motorista que era muito bem humorado e adorava receber os passageiros com um bom dia.
Se o tempo parece parado dentro do ônibus, nessas lembranças ele passa rápido! Recordo muito bem como era a minha rotina antigamente no 713. Afinal, eu o pegava quatro vezes por dia: para ir e voltar da escola e para ir e voltar do cursinho. E sempre era o mesmo motorista, ele até me deu um apelido carinhoso, ‘’botinha’’, por causa do coturno que usava. Foram bons tempos, que, se eu pudesse, viveria tudo novamente.
Nove horas e doze minutos. ‘’Vai dar tempo!’’. Toda vez que chego perto do estágio e estou atrasada, o sinal sempre tem que fechar! Deus, isso é um tipo de pegadinha? Se eu fosse uma Kardashian isso não estaria acontecendo, eu seria a estrela de um reality show ovacionada pelos jovens da internet, além de morar em Los Angeles. Mas ao invés disso, eu moro onde mesmo? Ah, tá! No Morro da Liberdade.
Fala sério! Esse percurso nem demora tanto, por que o ônibus precisa ser tão lento? Por incrível que pareça, essa pergunta me acalma. É como se eu estivesse em uma competição, na qual, se eu chegar antes no horário de entrada, ganho um prêmio, o que geralmente é uma sobremesa após o almoço.
Ok, o ônibus está chegando ponto, é só descer e torcer pra nenhum carro passar na rua! Mas milhares de carros decidiram aparecer bem na hora que eu pretendia atravessar. Esse não é meu dia, mas felizmente conto com a ajuda de um sinal que fecha e me deixa atravessar bem rápido, não tão veloz como o Usain Bolt, mas o suficiente para eu conseguir chegar ao estágio antes do tempo de tolerância.
Nove horas e dezesseis minutos. Quem sabe amanhã eu tenha sorte e o ônibus me ajude. “Relógio de ponto em manutenção”, diz o aviso grudado na parede. Então, às vezes os deuses dos estagiários atrasados dão recompensas como essa! O dia foi salvo, mas dessa vez não foi pelo 713.