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No colo da mamãe

Crônica de Janara Dolzanes
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 05 de junho de 2020
Foto: Freepik
Momentos corriqueiros, que muitas vezes não damos valor, passam despercebidos em nosso dia a dia e em nossas lembranças. Deveria ter um vídeo gravando cada momento, para quando sentirmos saudades, apertarmos o play do controle remoto e voltar para nossa infância, matando a saudade de quando cabíamos no colo de nossas mães, quando não tínhamos força e nem expertise para ver ou sentir o mal que poderia nos rondar. Mas ela estava lá, como uma leoa, vigiando sua cria.

Acho que os pais de hoje em dia se preocupam mais consigo próprios do que em estar presente com seus filhos. Mamãe era diferente, ela zelava por estar sempre perto, e o quanto pôde, me manteve assim. Como professora, ela fez questão o máximo de tempo possível de que eu estudasse na mesma escola em que ela lecionava.

Toda semana era a mesma rotina: acordávamos quatro e meia da manhã. Minha mãe preparava um mingau bem quentinho enquanto eu tomava o banho, com a água aquecida por ela no fogão. Eu colocava meu uniforme: uma blusa da escola, uma saia jeans que eu amava usar e calçava par de tênis branco com detalhes em vermelho. Saiamos de casa às cinco e meia, andando cerca de trinta minutos para chegar na parada de ônibus. Morávamos no Lírio do Vale 1 e tínhamos que pegar o transporte em outro bairro, o Santo Agostinho, para você ter uma ideia da distância.

O coletivo passava às seis e quinze mais ou menos, sempre muito lotado. Não por acaso, todos os dias íamos em pé os 45 minutos da viagem. Eu tinha dificuldade até para entrar no ônibus, aquelas escadas não eram apropriadas para uma criança, e como eu tinha cerca de sete anos de idade, era sempre necessário um esforço muito grande para subir. Passávamos pela Ponta Negra, seguindo a Avenida do Turismo. Durante a ida, a maioria das pessoas estava cheirosa, mas sempre tinha o Cascão. Dentro do ônibus iam vários trabalhadores, como caseiros, empregadas domésticas, vigilantes, todos, como nós, rumo às suas obrigações.

Passávamos por várias fábricas, como antiga Fujifilm. Havia também a loja de vinhos da Top, que era muito diferente de qualquer outra construção. Quando eu encontrava um lugar ao lado do cobrador, conseguia ver aquela casa diferente de todas as outras, pintada na cor vermelha com detalhes em branco e um cata vento no telhado. Já quando eu passava pelo Cemitério do Tarumã, morria de medo, pensava “Deus me livre passar por esse lugar à noite, deve ter um monte de fantasma!”.

Tinha um restaurante na beira da estrada chamado Bar da Loira, era super conhecido na época. Quem tinha um pouco de grana com certeza já devia ter comido o prato mais famoso do Tarumã nele, a famosa galinha caipira. Eu pensava “um dia minha mãe vai ter dinheiro e eu vou comer nesse lugar”. Quando eu passava por lá, eu via muitas cadeiras e mesas de madeira, cobertas por um plástico amarelo, através das janelas do ônibus.

Apesar dessas construções, antigamente não tinha muitas casas no caminho, e sim muitas árvores, por isso lembro bem do ar puro. No decorrer da viagem, isso me dava muito sono, mas era complicado dormir, sempre estava em pé ou sentada no piso do ônibus. Havia vezes que só olhava muitas pernas, e as sacolas batiam na minha cabeça até que chegasse a nossa parada. Os passageiros desciam durante o percurso em seus destinos, em diferentes locais, e, finalmente, chegamos também! 

Descíamos em local próximo da escola. Minha mãe não podia atrasar, pois ela lecionava para crianças da alfabetização. Por isso, uns dez minutos antes já estávamos no colégio, para dar tempo de tomar café. Eu terminava minha refeição e ia para sala de aula como todas as crianças, passava pelo corredor, e todos os alunos e funcionários me cumprimentavam, todos me conheciam e me chamavam pelo nome. Longe de ficar constrangida, me achava uma popstar. Tinha a liberdade de entrar em qualquer sala e não sentia medo de entrar na diretoria, achava o máximo.

Sete e quinze eu me direcionava para a sala de aula e minha mãe começava a trabalhar, sendo a “tia” de outras crianças. Durante o almoço, comíamos juntas, e à tarde ela trabalhava novamente. Eu terminava de comer, tomava um banho no banheiro dos professores, e depois colocava no armário, que era exclusivo dos professores, minhas roupas sujas e alguns livros. Após isso, me dirigia para biblioteca para fazer as tarefas ou descansava. Em algumas ocasiões, descia para ficar conversando com a cozinheira. Havia dias em que ela me convidava para ir pegar verduras na sua casa para complementar o lanche da tarde, ou eu ia para casa de minha amiga Jaqueline, colega da escola, o que sempre era divertido.

Quando dava cinco da tarde, já estávamos na parada de ônibus para voltar para casa. Tinha vezes que ele estava lotado e eu dividia com mamãe a mesma cadeira. Um silêncio permanecia durante todo percurso. Podia ver no rosto e nos gestos dos passageiros o cansaço, alguns com a camisa tomada pelo suor, outros com o uniforme sujo, sapatos com terra, alguns até cochilavam em pé. 

Ao mesmo tempo, a volta era a melhor hora para conseguir uma cadeira vazia e nos sentarmos uma do lado da outra quando dava. Mamãe sempre ficava no assento próximo ao corredor e eu escolhia a janela para conseguir ver alguma coisa da paisagem. Mas durante a viagem, o cansaço falava mais alto e eu já ia me encostando nela. Ela então perguntava: “você quer deitar na minha perna?”. Eu balançava a cabeça fazendo um sinal de sim e começava a dormir na sua coxa, meu melhor travesseiro. Ali eu me sentia protegida, mesmo com os solavancos do ônibus. 
 
Lembrando hoje, percebo a força de mamãe. Mesmo passando o dia trabalhando, dando aula e depois corrigindo as tarefas dos seus alunos, no final do dia ela ainda estava com vigor para me dar seu colo e carinho. Lembro dela passar as mãos em meus cabelos. Ela encostava sua cabeça no ferro da cadeira, e seus olhos percorriam a paisagem. O que será que pensava?
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