No ano passado, a consultoria global MamaLab realizou uma pesquisa que apontou que os maiores desejos da mãe de 2020 eram: passar mais tempo com seus filhotes e não ter que escolher entre filhos e carreira. De repente esse ano de “realizações” chegou e parece que o gênio da lâmpada veio juntamente atendendo esses desejos, embora não do jeito que elas imaginavam. Não sei se vocês lembram, mas o gênio costuma ser bem literal na interpretação dos pedidos e não questiona condições; simplesmente escuta e faz. Agora você deve estar aí, pensando naquele ditado: cuidado com o que deseja, pode se tornar realidade. Foi o que a Covid-19 trouxe para a realidade das mães de todo o Brasil.
O isolamento social, óbvio, não é férias. Não há passeios ou coleguinhas para brincar, e as aulas continuam em casa, ou seja, os desafios da maternidade só aumentaram. Creches e escolas continuam fechadas por conta da pandemia, obrigando as crianças a ficarem trancadas em casa. Muitas optam por dividir as atividades com seus companheiros, mas e quando não tem com quem repartir essas tarefas, como fica?
Aline Rodrigues, autônoma, é mãe e pai da Laurinha de apenas um ano. Ela faz parte do grupo de 11 milhões de famílias no Brasil compostas por mães solo. Sem a figura paterna, ela conta com a ajuda da mãe que auxilia sempre que necessário e da babá, que fica das 8 às 17 horas. A mãe de primeira viagem tenta dar o máximo de atenção possível à criança sem perder o foco no trabalho, que está passando por um momento muito delicado. Funcionária de uma distribuidora de bebidas e recebendo por comissão, o movimento das vendas é uma preocupação constante. No geral, tem dias em que a pequena colabora muito sendo quietinha, mas tem outros...
Mãe e filha nunca foram caseiras, tendo uma vida muito ativa. Com a necessidade de isolamento social e o fato de que crianças poderiam até não sentir tantos efeitos pesados da Covid-19, mas agiriam como ótimos vetores para o vírus, a rotina teve que mudar. “Foi bem difícil, pois no início a Laurinha estava super irritada quase o todo tempo. Já era difícil para mim, então imagina para ela, que está começando a descobrir o mundo”. Aparentemente estamos todos um pouco iguais à Laura.
Sabemos que essa é a vida de muitas mães solo, porém não cansaremos de dizer o quão inspirador é o que essas mulheres fazem. Aline afirma de cabeça erguida que não sente falta do pai da criança para dividir os encargos – nas suas palavras, “não depositaria essa responsabilidade em quem não quer contribuir para a evolução da minha filha. Nossos problemas materiais, eu própria resolvo com muito gosto. Não tenho muito, mas nada falta. Todas as contas necessárias estão sempre na ponta do lápis. Dívidas desnecessárias, nem pensar, e com certeza mando muito bem nesse quesito. Não há necessidade de uma figura paterna para que a Laura saiba que está crescendo num lar seguro e estável”.
E por incrível que pareça, foi preciso uma pandemia para Aline entender que precisava de um tempo para si própria – nunca tinha feito exercícios, mas hoje não passa um dia sem o fazer, além de ter desenvolvido um outro hábito novo: o da leitura. “Voltei a ler e isso é um alento e tanto”, reflete. Tudo isso tem ajudado, pois a mesma sofre de ansiedade. Ela está se reinventando, estudando de forma independente e até se arriscando a aprender a tocar um instrumento musical, o teclado.
Tudo sob controle ou sob pressão?
Outra realidade é a da Bruna Borghi, 21, que se sente sobrecarregada. Ela é genitora de uma linda menina de 2 anos chamada Clarice. Diferente da Aline, se sente sobrecarregada por não ter apoio familiar, ainda mais agora com o isolamento, se esforçando para estar bem. “O mais difícil é ser responsável por uma vida além da sua própria. Me esforço para estar bem, porque se eu não estiver bem, minha filha também não estará”, confessou, preocupada constantemente, devido à pressão de ser uma jovem mãe.
A preocupação de Bruna não é infundada. Segundo dados do IBGE, mulheres dedicam 21,3 horas por semana a afazeres domésticos e cuidados com os outros no ano de 2018, quase o dobro dos homens (10,9 horas). A mulher, além de cumprir mais tarefas, também tem peso muito maior em obrigações mais essenciais nos cuidados do dia a dia. A pesquisa reforça a ideia de que nada mudou na esfera doméstica. Esse acúmulo de tarefas gera desequilíbrio de dedicação ao trabalho remunerado, caso ela invista numa carreira. Outra grave consequência é o prejuízo para a saúde física e mental das mulheres por conta dessa sobrecarga enorme.
Um relatório feito pela Morden Family Índex (EUA) aponta que 76% das mães são responsáveis por cuidar da agenda e logística de afazeres parentais. Mais do que ser responsável por sua metade nas funções relacionadas a parentalidade e aos cuidados com a casa, as mães também organizam, lembram e planejam praticamente todos os assuntos relacionados a família, mesmo que seja ela também a principal provedora da casa, trabalhando fora o dia todo.
O cenário norte-americano não é tão diferente assim do brasileiro, e o fato de muitas mães, especialmente aquelas com filhos pequenos, optarem por um isolamento seguido à risca intensifica a pressão psicológica. “Aguentem. Lidem com a situação como conseguirem e não se culpem. Sobreviveremos!”, Esse é o recado que Bruna deixa de consolo para as mulheres que se encontram na mesma situação.
Nascendo na pandemia
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informa que cerca de 116 milhões de mulheres terão seus filhos à sombra da pandemia do novo coronavírus. O Brasil está entre os 10 países com maior número esperado de nascimentos. A estimativa é que 2,3 milhões de bebês venham ao mundo em solo brasileiro entre março e dezembro de 2020. Essa pesquisa também apontou que uma das maiores preocupações dessas mães são os cuidados médicos que elas e seus bebês precisarão logo nos primeiros meses de vida. É o que o casal Raiza e Alan vivem na pele hoje.
A digital influencer Raiza Saraiva Schnorr, 27, e o marido Alan Schnorr, 28, ambos morando em Santarém, vem há 9 meses vivendo o sonho que é a maternidade e a paternidade com a menina Aurora. Ter uma criança já estava nos planos do casal e quando descobriram a gravidez, foi só alegria: mudou completamente o mundo dos dois. “Mesmo correndo contra o tempo para construir uma casa, montar enxoval e ir às consultas, concluímos essa parte com êxito”, comemora Raiza. Como pais de primeira viagem, já previam um certo frio na barriga com a chegada de Aurora, porém, jamais se imaginavam vivendo no atual contexto.
Nos últimos tempos, as consultas do pré-natal de Raiza, que eram de mês em mês, começaram a ser semanais. Manteve-se a forma presencial, aumentando os riscos de exposição ao vírus, porém, isso se fazia necessário para medir a pressão arterial e conferir os batimentos do feto. Apesar disso, o Ministério da Saúde não aponta evidências que mostrem que as gestantes sejam mais vulneráveis ao vírus.
No geral, as grávidas e novas mamães estão todas no mesmo barco que os demais. Logo, os mesmos cuidados devem ser mantidos, como lavar a mão com frequência e evitar aglomerações. Na época em que a pequena Aurora nasceu, um pouquinho antes da metade de maio, o estado do Pará estava no início dos casos de contágios. Os números dos contaminados com o vírus só cresciam, alcançando 8.193 infectados em maio, sendo que 360 pessoas vieram a falecer, fazendo com que os hospitais ficassem sobrecarregados. Por causa disso, Raiza ficou apavorada e cogitou até a possibilidade de um parto domiciliar, mas por Santarém não ter estrutura nem mão de obra para um parto desse tipo, acabaram desistindo da ideia. A exposição no hospital foi inevitável, mas necessária, e assim Aurora veio ao mundo para afastar o assombro causado pela pandemia à sua família.
Quando o coronavírus não circulava entre nós, muitas mamães de primeira viagem contavam com o apoio de familiares e de amigos próximos para sobreviver à avalanche de tarefas que surgem logo após o parto. Afinal, cuidar da sua própria saúde, da casa, do bebê recém-nascido e se adaptar à nova rotina fica mais fácil com esse suporte. Para encarar o período de resguardo, por sorte Raiza conta com a parceria atenta do marido e também com a ajuda da mãe e da irmã, que moram na mesma propriedade. “É muito bom ter essa rede de apoio o tempo todo, já que precisamos limpar a casa, fazer o almoço, lavar uma louça. O Alan me ajuda muito nisso porque sabe que eu estou ali o tempo todo cuidando da criança”, afirma Raiza.
A influencer usa o Instagram para mostrar sua rotina, seus descobrimentos e também, agora, usa sua rede social para aproximar seus parentes e amigos dessa nova fase da sua vida. “Todos só veem a Aurora pelas redes sociais. É meio frustrante, mas entendemos que é pro nosso bem e principalmente pelo bem dela”, comenta. E como nem tudo é um mar de rosas, vamos te contar uma verdade que vai além dos stories fofinhos, ou das encantadoras propagandas de fraldas das postagens da digital influencer.
Raiza confessa que chegou a se questionar se seria capaz e se a criança iria sobreviver nas mãos dela; afinal não existe nenhum manual de instruções de como ser mãe. Já com um tom desanimado, ela apontou que sua maior dificuldade é algo que a atingiria com ou sem pandemia: a privação de sono e a hora da amamentação. Ela conta que amamentar o filho é uma das coisas mais divinas e magníficas para uma mãe, mas um tanto doloroso, um verdadeiro mix de emoções.
“Tem gente que nem fala sobre isso, só fala as coisas boas. É claro que as coisas boas superam as coisas ruins, mas nós passamos pelo puerpério e só pensamos em chorar. Só que não é um choro de tristeza. Você está feliz por ter o seu bebê ali, mas chora por não conseguir dormir, tomar um banho ‘de boa’, quer escovar os dentes e não pode porque o bebê já tá ali, chorando”, explica.
Três mães, três histórias. Entre as noites mal dormidas, a carga de se cuidar e a carreira profissional, o amor incondicional dá força a elas, até porque a mesma pessoa que tira seu sono é a que faz a vida valer a pena. Até porque mães perfeitas não são reais. Gerar, criar, parir... dizem que mãe é tudo igual, só muda de endereço, mas a única certeza que temos é: as mães de hoje não serão iguais às do passado. Com certeza estão mais sensíveis à mudança. E aí, você daria conta do recado?