Blog Layout

Como o futebol amazonense reage à pandemia 

Devido à paralisação dos campeonatos, personalidades que trabalham em prol do esporte local vivenciam uma nova realidade.
Reportagem de João Normando 
Estudante do 5º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 17 de junho de 2020
Foto: Antônio Assis/FAF
O ano de 2020 certamente seria inesquecível para quem torce para o bem do futebol no Amazonas: havia a expectativa acerca das cinco equipes (três no masculino e duas no feminino), que representam o estado nacionalmente em competições de futebol, isso sem falar do próprio campeonato estadual que estava disputado. Além disso, o público estava voltando a prestigiar os jogos locais. Era algo inédito e que certamente levava um sorriso no rosto de cada um. Porém, logo essa felicidade que percorria as arquibancadas dos estádios amazonenses, acabou sumindo, com a chegada da pandemia do novo coronavírus que mudou completamente a realidade de todos.

Com isso, muitas atividades tiveram que ser paralisadas, e dentre elas, o futebol foi uma de suas vítimas. No Amazonas, a última vez que a bola rolou em solo amazônico foi no dia 15 de março, com duas partidas: 3B da Amazônia x Atlético-AC, pelo Campeonato Brasileiro Feminino Série A2; e Nacional x Manaus, pelo Campeonato Amazonense. Ambos os jogos ocorreram na Arena da Amazônia. Após esse dia, o cenário do futebol local deixou o campo vazio, porém ainda movimentado, fora das quatro linhas.

Na ponta da chuteira

Natural de São Paulo, a meia atacante Gabrielle Gomes, mais conhecida como Gabi, é jogadora do 3B da Amazônia, equipe amazonense que disputa o Campeonato Brasileiro Feminino Série A2. A atleta teve a melhor estreia possível pela "Fera da Amazônia", marcando três gols - dois de falta - na goleada de 7 a 0 contra o Atlético-AC.

Porém, após a partida, com a pandemia da Covid-19, o campeonato foi paralisado, e assim segue há mais de dois meses. Com isso, o clube liberou todos os profissionais a retornarem para suas casas. Mas assim como outras 12 jogadoras com medo do vírus, Gabi decidiu ficar na concentração da equipe, no Amazonas, estado esse com 52.849 casos de coronavírus até a primeira quinzena de junho.

"Prezo muito pela minha família. Apesar da saudade que tenho deles desde que cheguei a Manaus em fevereiro, o momento é bastante delicado tanto aqui quanto em minha cidade (São Paulo), então decidi ficar com minhas companheiras. Assim que essa situação toda passar, vou poder dar um abraço caloroso em todos eles", justifica Gabi.

O alívio de Gabi, porém, durou pouco. No dia 20 de maio, dez jogadoras, além do presidente e supervisor da equipe dela, foram diagnosticados com Covid-19. Três dias depois, o mandatário do 3B, Bosco Bindá, comprou uma nova leva de testes, e três jogadoras foram diagnosticadas como fora do período de transmissão, Gabi estava entre elas.

"Inicialmente eu fiquei muito surpresa, pois não tive muitos sintomas logo de cara. Assim que fui diagnosticada, comecei a me cuidar um pouco mais, porém mantive meus treinos físicos no campo, obedecendo todas as recomendações possíveis e felizmente logo pude me recuperar", contou. 

Praticamente assintomática, a parte mais difícil para a meia atacante foi ver suas companheiras passando por essa situação. Ainda que nem todas tenham tido sintomas tão leves como ela, a jogadora vê os treinos que a equipe tem realizado como um elemento positivo para a recuperação das jogadoras.

"Sem dúvida a gente fica preocupada, ainda mais que estamos todas juntas na concentração da equipe. Felizmente, nenhuma jogadora até o momento precisou ir para o hospital ou sentiu algum sintoma mais grave. Acredito que os treinos têm colaborado para a recuperação de todos nós. Claro que estamos fazendo atividades separadas para evitar aglomerações, porém, o fato de não estarmos paradas, fazendo atividades físicas, tem nos ajudado nesse quesito. Nessa semana vamos retornar aos treinos coletivos em campo, divididos em grupos de quatro jogadoras no campo e vamos ver como iremos reagir a isso", detalhou.

Gabi tem cautela quando o assunto é o retorno dos campeonatos de futebol (logo, da torcida e de toda a aglomeração que envolve um jogo aberto). Espera principalmente que a situação da pandemia melhore no país, especialmente no Amazonas. 

"Eu sou a favor de terminarmos a temporada, porém, acredito esse não é o momento de retornamos a campo definitivamente. Não podemos achar que só porque os jogos voltaram na Alemanha e vai voltar em Portugal que amanhã a gente já tem que jogar. Temos que esperar a poeira baixar, para assim nós podermos voltar a praticar esse esporte que tanto amo, sem qualquer risco a todas as pessoas envolvidas", pondera.

Para a felicidade de Gabi, a maioria das atletas da "Fera da Amazônia" já saíram do período de transmissão do vírus e assim puderam retornar aos treinos coletivos da equipe. Dentre os novos treinos, exercícios de respiração foram inseridos para as atletas, com o objetivo de fortalecer o sistema pulmonar.

Ainda sem qualquer definição de retomada do Campeonato Brasileiro Feminino Série A2, o 3B segue com o contrato de seu elenco ativo, porém esses com vigor até julho (onde encerraria a competição), além do corte entre 10% a 25% no salário das atletas e membros da comissão técnica.

No olhar do professor

Wellington Tavares Fajardo, mineiro de 59 anos, é atualmente treinador do Manaus FC, o chamado “Gavião do Norte”, onde fez história rapidamente: conquistou o acesso da equipe para a Série C do Campeonato Brasileiro, além do estadual da última temporada. 

Neste ano, Fajardo havia conquistado o primeiro turno do "Barezão" e seguia para conquistar o returno. Porém, com a pandemia, o campeonato se deu por cancelado. O técnico comentou sobre a pandemia e se diz contrário à volta de futebol no momento.

"O período que estamos vivenciando parece coisa de guerra. Diariamente vemos a quantidade de pessoas que estão morrendo por conta dessa doença. Em uma guerra, ou você avança, ou você recua, ou você ‘entrincheira’. O momento agora é de entrincheirar, voltar apenas quando estiver em segurança. Para esse ano, temos a Série C, que é uma competição nacional, porém, enquanto não tivermos nenhuma autorização do Ministério da Saúde ou da CBF, é totalmente inevitável e irresponsável pensar na volta do futebol”, afirma.

A última atividade comandada pelo treinador esmeraldino foi há dois meses atrás, na partida contra o Nacional-AM, que terminou empatada em 1 a 1 pela terceira rodada do segundo turno do Campeonato Amazonense. Desde então, Fajardo, que faz parte do grupo de risco, retornou para Juiz de Fora (MG), sua cidade natal, para ficar em quarentena com a sua família. Mesmo sem as atividades presenciais, o treinador mantém a rotina de trabalhos, porém, dessa vez focado no home office, e destaca a importância de um profissional atualizado no meio do esporte nos dias atuais.

"Apesar da pandemia, eu sigo trabalhando em prol da equipe. Uma atividade que tenho praticado muito é rever os jogos anteriores, nos quais foi possível checar erros que no dia a dia a gente não percebe, e até aprimorar os nossos conhecimentos cada vez mais. Converso com os membros da comissão técnica diariamente, além de assistir online as atividades físicas que os atletas realizam em seus domicílios. Treinar uma equipe de futebol não é apenas comandar o time dentro de campo, hoje temos múltiplas funções como coordenar o trabalho, monitorar os seus adversários e a todos os detalhes possíveis de sua equipe. O futebol na era moderna é trabalhoso, porém tenho uma filosofia de que esse trabalho ardiloso poderá ser recompensado lá na frente", ressaltou.

Mesmo sem ter uma data estipulada para o retorno dos campeonatos no país, equipes brasileiras como o Flamengo, Internacional e Grêmio retomaram as suas atividades em seus respectivos centros de treinamento. O treinador do gavião deu a sua opinião sobre o retorno dos treinos para essas equipes.
 
"Quando falamos do Brasil, estamos tratando de um país do tamanho de um continente, dividido em cinco regiões, e cada uma reagindo de uma maneira distinta à essa pandemia. Juntando as quatro divisões do Campeonato Brasileiro, temos equipes de todos os cantos do país, ou seja, em uma competição em nível nacional, teríamos contato com todas elas e expostos a qualquer tipo de situação, colocando em risco a todos os envolvidos. Se pelo menos tivéssemos uma situação de melhora da doença por aqui, mas nem isso. O que importa pra mim não é quando o futebol vai voltar, mas sim à vida de todos os envolvidos", enfatizou.

 "Muitos pensam que o futebol é apenas os jogadores, o campo e a bola. Para uma partida de futebol ser realizada, cada delegação tem no mínimo mais de 25 pessoas (contabilizando jogadores e comissão técnica), a arbitragem, além dos funcionários que trabalham no estádio, como imprensa, gandulas, seguranças, funcionários, além de pessoas do setor da limpeza e da administração. Ou seja, brincando, podemos ter mais de 100 pessoas trabalhando em apenas um jogo, isso sem contar a família de cada uma delas. É uma situação muito complexa e bastante delicada, porém que acima de tudo precisa ser levada em consideração para uma eventual retomada aqui no Brasil", destacou.

Quanto à equipe comandada por Wellington Fajardo, o Manaus Futebol Clube já trabalha internamente o retorno do elenco, ainda sem data definida, para a capital amazonense. Os testes serão feitos pela Samel, rede de hospitais local que patrocina a equipe esmeraldina. 

Arquibancada vazias

Dentre os principais fatores presentes no futebol, a torcida tem um papel fundamental. Seja composta por mais de 40 mil pessoas ou simplesmente um adepto, o apoio incondicional ao seu time de coração ajuda a equipe em campo. Apesar disso, a presença dos torcedores nos estádios foi pausada por um tempo devido ao novo Coronavírus.       

A saudade de ver sua equipe em campo acompanha Vinicius Carvalho, estudante de Administração e torcedor fanático do Fast Clube. Para ele, não tem sido fácil ficar longe das arquibancadas em jogos do Rolo Compressor. "Fico triste, pois esse ano seria um ano de oportunidades para o Fast, uma Série D reformulada, vínhamos com um bom elenco e infelizmente a pandemia veio. Agora é torcer pra que logo tudo isso passe e possa voltar a assistir, e claro, sofrer com o meu Tricolor de Aço em campo", disse.

Sem as partidas de sua equipe, Vinícius não deixou o futebol de lado. Mesmo com seu foco nas principais séries e filmes online, o torcedor fastiano se sente animado com as notícias de seu esporte favorito retornando na Europa. Ele acredita que é possível uma retomada do futebol por aqui assim que for seguro para todos, torcedores e jogadores.

"Sou a favor do retorno do futebol brasileiro. Estamos vendo clubes ao redor do mundo voltando às suas atividades. Claro que para isso exige várias políticas públicas e estruturais para que isso seja realizado, porém se tudo for feito seguindo as normas, vejo como possível a retomada", enfatizou.

Vinicius também se manifestou sobre as atitudes que seu clube tem feito durante a pandemia. O Fast, além de liberar todos os funcionários do clube, rescindiu com grande parte dos jogadores, além da comissão técnica que comandou o clube neste estadual. Ao mesmo tempo em que considera ruim a atitude, entende que é a única solução possível neste período de incertezas.

"Não dá para esconder minha tristeza ao ver alguns jogadores tendo os contratos encerrados com o clube, porém, essa parte das rescisões infelizmente se deu devido a condição financeira da equipe. Atualmente é mais viável encerrar o contrato dos jogadores, pois assim os gastos seriam menores do que se os contratos seguissem na ativa", disse.

Apesar de tudo isso, o Fast Clube segue com seu planejamento para uma possível retomada das competições nacionais para esse ano. O presidente da equipe tricolor, Denis Albuquerque, diz já estar com 90% do elenco apalavrado, sendo mais da metade dos jogadores que participaram da equipe fastiana no campeonato amazonense.

A loja do Torcedor Amazonense

Referência no estado, a Boutique do Torcedor é figurinha carimbada quando se fala em apoio às equipes locais. Localizada na Avenida Carvalho Leal, 1092 no bairro Cachoeirinha, próximo ao Terminal 2, a loja tem seis anos de existência. O estabelecimento é o único local de venda de artigos esportivos voltados às equipes do futebol amazonense, além de vender os ingressos para as partidas das equipes em jogos na cidade de Manaus.

A loja porém, sofreu um assalto na noite do dia 23 de março, quando foram levadas camisas, chuteiras, shorts, bonés e outros materiais esportivos. Na semana seguinte, as lâmpadas da fachada do local foram furtadas, gerando assim um prejuízo total de R$10 mil. Aline Maquiné, proprietária da Boutique, relatou sobre o ocorrido e sobre as dificuldades que tem passado.

"O furto ocorrido na loja foi um baque enorme para todos nós, pois além de todas as dificuldades que a pandemia trouxe para todos, tivemos esse incidente lamentável. Mesmo com a grave crise financeira que estamos vivenciando, estou fazendo o máximo para pagar as nossas dívidas e assim evitar o fechamento da loja, que é a minha única forma de sustento de nossa família", disse.
 
A empresária também relata a nova realidade que a Boutique vive em tempos de pandemia e destaca os desafios de uma loja de artigos esportivos no atual cenário. "Nossa rotina mudou drasticamente. Além dos procedimentos de segurança, passamos a fazer entregas dos nossos produtos via delivery, porém, com os campeonatos paralisados, as vendas caíram em 90%, o que emperra boa parte do lucro que teríamos normalmente", relatou.
Para ajudar com as dívidas, a Boutique do Torcedor criou uma vakinha online visando a arrecadação de fundos e ajudar a sanar as dívidas que a loja enfrenta nesse momento delicado. Aline agradece ao apoio e enfatiza a importância do valor arrecadado para que o estabelecimento permaneça de pé.

"Sem dúvida, o valor arrecadado na vakinha tem colaborado para que não fechássemos as portas. Em meio à tantos problemas que estamos passando, ver que o torcedor amazonense está comprando a nossa causa e nos apoiando, é gratificante para todos nós. Se Deus quiser, passaremos por todos esses empecilhos e seguiremos com a nosso principal objetivo, que é poder divulgar ainda mais o do futebol de nossa terra", finalizou.

A pandemia do novo Coronavírus certamente tem sido um obstáculo enorme para cada um que trabalha em prol do futebol local. Sem campeonatos e partidas oficiais fazem a realidade de cada um mudar drasticamente. Porém, mesmo com todas essas dificuldades, eles seguem com sorriso no rosto, trabalhando tão arduamente quanto antes, na expectativa de que logo a bola volte a rolar nos campos de futebol, e a alegria das arquibancadas possa retornar o mais rápido possível.
Share by: