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Memórias do futebol Baré

Crônica de João Normando
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 03 de junho de 2020
Foto: Reprodução/Internet
Meu dia a dia de estudante de jornalismo começando a carreira no âmbito esportivo teve de ser pausado. O motivo: a pandemia do COVID-19 que assola o mundo este ano, gerando uma mudança de rotina na minha e na vida de todos.

O dia costumava começar para mim com as aulas na faculdade. Como uma pessoa pontual, eu nunca gostava de chegar atrasado, mas em alguns casos isso acontecia. Porém, sempre tentei assistir a todas as aulas, tentando agregar o que quer que surgisse na sala de aula com o que preciso saber para ser um bom jornalista esportivo. 

Depois da aula e um breve almoço, começava a programação diária de futebol no meu cotidiano. As tardes no Centro de Treinamento Barbosa Filho, localizado no bairro do Coroado, casa do Nacional Futebol Clube, certamente têm sido nostálgicas nesses últimos tempos, ainda mais pela identificação que criei pelo clube, para o qual trabalho na assessoria. O local era humilde, fazendo jus às raízes do clube, conectando o campo de futebol com a realidade das favelas já do outro lado do muro, muro esse que serve de arquibancada para as crianças que assistem aos treinos e sonham no futuro poderem ser jogadores profissionais.

Os treinos eram sempre às quatro da tarde, mas eu gostava de chegar cedo, pra variar, pois gostava de conversar com figuras do clube. Dentre elas, havia o roupeiro Chico, que era uma espécie de faz tudo do local. Arrumava o vestiário - vestiário esse que tem seu nome, em homenagem aos 22 anos de serviços prestados pelo clube -, organizando os uniformes de cada jogador, além de sempre rezar assim que adentrava o local.

Na sala do treinador, neste ano tive a oportunidade de trabalhar com três “professores” diferentes: a lenda do futebol amazonense Aderbal Lana, mineiro de 73 anos com vasta experiência no âmbito local, encarregado de 11 títulos do Barezão, e, claro, fumando o seu cigarrinho; o “paizão’’ Gilberto Pereira, treinador que era o amigo dos jogadores, sempre olhando o lado humano de cada um deles; e, por último, o estudioso Mazinho, atual treinador da equipe, que se atenta a todos os detalhes com seu tablet nas mãos, anotando cada ideia para as atividades dos jogadores.

Já em relação à diretoria, quase todos ficam no setor administrativo, na sede do clube localizada no bairro Adrianópolis. Mas o diretor-executivo Cláudio Silva, o homem por trás das contratações dos jogadores, sempre assistia aos treinamentos como um torcedor raiz, embora não deixasse o lado empresarial de lado. Assim, corria atrás de atletas para integrar o clube, ligando para os seus empresários, e fazendo acordos para jogar no Leão da Vila Municipal.

Os jogadores moravam em alojamentos no próprio centro de treinamento, e ao lado há um refeitório onde faziam suas refeições diárias. Ali eu cuidava de minha formação também, embora de um jeito diferente da sala de aula: aprendendo quem era quem entre eles. Na hora dos treinos, víamos cada um deles com suas características: o zagueiro Jordan, por exemplo, era uma pessoa que olha o lado bom da vida, sempre com seu sorriso no rosto; já o meia Klécio descia escutando música sertaneja, relembrando a sua infância na roça antes de se tornar jogador; além do meia Charles, o brincalhão do grupo, que sempre fazia piadinhas e, dentro de campo, era o queridinho da torcida, além de carregar a camisa 10 azulina e ser o craque da equipe.

Em meio a todas essas figuras, como assessor eu tinha o papel de atualizar as mídias sociais do Nacional quase que diariamente. Além disso, eu produzia conteúdo para o “Naça”, atuando como um colaborador para os membros da imprensa esportiva produzirem materiais com a imagem do clube.

Ao final das atividades, que acabavam lá pras seis da tarde, eu me locomovia até ao estádio - Colina ou Arena da Amazônia - para assistir aos jogos do Campeonato Amazonense. Era impossível não torcer um pouco, mas não deixava o lado profissional de lado e trabalhava na cobertura daquela partida em específico, trazendo fotos, textos e entrevistas com os destaques dos 90 minutos.

“Olha, só tu mesmo é louco pra trabalhar tanto com futebol amazonense!”. Essa era a frase que o jovem garoto de 20 anos que chegava suado e acabado em casa escutava todos os dias de sua mãe. A pior parte que eu gostava mesmo disso, mas ao mesmo tempo entendo o ponto dela de acreditar que eu carregava muitas funções nas costas. Afinal, ela sabe que eu sempre quis trabalhar com futebol, e faria o possível para isso se concretizar. Por isso, essa era a rotina que aprendi a gostar. Saía de casa sete horas de manhã e chegava às onze da noite, mas e daí? Era cansativo? Bastante, mas eu tinha noção de que seguiria assim com muito prazer. 

Pena que tudo virou de cabeça para baixo em questão de semanas. A pandemia do Coronavirus chegou ao Brasil, depois em Manaus, e com isso as atividades cotidianas tiveram que ser suspensas. Dentre as paralisações, o futebol se deu mal. O Campeonato Amazonense de 2020, que teve como campeão do primeiro turno o Manaus Futebol Clube e o Amazonas Futebol Clube como líder na classificação geral, teve a sua competição dada como encerrada pela Federação Amazonense de Futebol (FAF). Com isso, o Nacional terminou na quinta colocação, com 11 pontos e a posição de semifinalista do primeiro turno.

Graças ao surto da Covid-19, os oito clubes que disputavam o estadual optaram por liberar todos os seus profissionais a retornarem às suas casas até que a doença esteja controlada. Ao todo, 228 jogadores que disputavam o campeonato amazonense voltaram para suas cidades natal, além dos membros da comissão técnica. Já os membros da diretoria seguem trabalhando em home office, esforçando-se quase que o dobro para manter a estabilidade financeira dos clubes em dia, já que muitos patrocínios tiveram que ser rescindidos devido a pandemia, tirando assim o lucro que as equipes tinham.

Enquanto isso, sigo trabalhando como assessor do clube, mas com uma realidade totalmente diferente. Geralmente abordo como tem sido para os jogadores esse período de quarentena e converso com os diretores sobre a dificuldade financeira que todas as equipes têm enfrentado. Vez ou outra surgem comentários como o do lateral Bernardo, que segue treinando em casa: “nunca mais reclamo dos treinos táticos que acabavam com o nosso gás durante os treinamentos!”.

Da minha parte, percebo que a realidade dos profissionais da imprensa mudou drasticamente. Aqueles repórteres que cobriam esporte com brilho nos olhos agora fazem plantão em frente a hospitais, claramente desgastados e entristecidos de noticiar essa nova realidade, nada a ver com a energia sentida ao acompanhar os treinos, a alegria dos jogos, o esforço de cada membro na busca da glória pelo futebol. 

Mesmo que a volta à normalidade ainda possa parecer distante, sigo com minha fé. Sonho todos os dias em voltar a ficar sentado à beira do gramado, com minha câmera e meu bloquinho de notas, assistindo ao esporte que mais amo.
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