O alarme do celular toca e, como de costume, me levanto com a visão ainda embaçada para desligá-lo. Ao olhar a hora, vejo que são sete horas da manhã e relembro que era o mesmo horário que eu me levantava para ir à natação ou para resolver os problemas do dia. Entretanto, as últimas manhãs tem sido atípicas: eu desligo o alarme e volto pra cama, afinal, não tenho para onde ir.
Antes, me levantava com aquela preguiça e ia tomar meu banho. Chegando na natação, entrava na piscina gelada, que por sinal me traz muitas lembranças, principalmente das pessoas que nadavam comigo. Dona Nilce, por exemplo, era sempre atenciosa, uma senhora tão humilde, mas que me ensinou que não existe idade para ser atleta e sempre me aconselhava sobre as coisas da vida. Lembro-me de sentar na beira da piscina e conversar com ela e outras senhoras - por eu fazer aula de manhã cedo, só tinha idosas na minha turma. Faz apenas algumas semanas, mas nas minhas memórias parecem de eras atrás.
No decorrer do dia, é estranho ver toda a família reunida em casa. Geralmente eu ficava sozinho, fazia meu almoço e logo saia de casa. Agora parece que todo dia é final de semana: minha mãe na cozinha, meu pai arrumando alguma coisa da casa com defeito, eu e minha irmã fazendo as atividades de casa. Dia após dia, como uma novela que parece estar repetindo o mesmo capítulo.
Pela parte da tarde, começo a arrumar minhas coisas para o home office. Há um mês, eu estaria na maior pressa, atrasado como sempre, procurando meu crachá e a carteirinha para pegar o ônibus. E o sapato, como eu odiava usar sapatos, isso porque sempre escapava do meu pé e eu precisava apertar. Como se não bastasse, sempre reclamava de que não tinha outros calçados para trabalhar. Por ironia do destino ou pura sacanagem, eu ganhei quatro novos pares de sapato em meio a quarentena.
Outra lembrança que tenho é de olhar o app de transporte coletivo e pensar “meu Deus, vou perder meu ônibus!”, mas eu sempre conseguia pegar no horário. Lembro-me de descer na parada, colocar o fone em um dos ouvidos e, antes de ir pra minha sala no Inpa, tinha que olhar os peixes-boi e a ariranha nadando em seus tanques. Hoje eu fico apreciando o canto de um único pássaro que mora na árvore da vizinha, o Bem-te-vi.
Confesso que ando meio sensível, nostálgico demais, talvez. As mínimas coisas deixam meu coração apertado de saudade, como lembras das copeiras e as moças da limpeza. Sempre que eu chegava no trabalho, tinha que ir lá. Era um “boa tarde” seguido de risadas aleatórias e a mesma piada de sempre: “Tô com uma preguiça hoje!”, seguido de uma resposta bem atrevida da amiga: “Me diz quando tu não tá?”, e a risada tomava conta do corredor.
Eu entrava pela porta de vidro sempre emperrada, o que me dá muita saudade! Dava boa tarde pra todo mundo e começava meu trabalho com uma boa xícara de café preto ao meu lado. Hoje, eu não tenho uma xícara de café aqui comigo, pois prefiro não estragar as memórias boas que eu ainda tenho.
Quatro da tarde. Quando a fome começa a apertar, recordo de quando nos reuníamos, chefes e estagiários, para tomar sorvete no Bosque da Ciência. Naquele momento não havia hierarquia, éramos amigos rindo das desgraças do trabalho e fazendo planos. Conversas que me fazem falta quando dou uma pausa para comer qualquer coisa na cozinha de casa.
De noite eu continuo nas minhas aulas da faculdade, mas sinceramente, sei que nem de longe é a mesma coisa. Lembro de pegar aquele busão lotado com medo de ser assaltado no 600 ou no 671, a carteirinha travando na catraca e o trânsito pesado, quase parando, que me dava tempo para escutar minhas músicas favoritas e sonhar um pouco.
As aulas online são uma boa alternativa para não parar os estudos, mas eu sinto uma saudade de sentar perto dos meus amigos, aquele abraço apertado, as risadas das coisas ruins que nos aconteceram no trabalho e sempre a mesma reclamação: “Tô com fome!”. Nos intervalos, os professores davam uns 15 minutos, no máximo, mas a gente fazia durar 30 porque a fila da cantina era uma eternidade.
Ao fim da aula, era sempre o mesmo bonde. “Vamo pra parada?”: era a pergunta que se escutava, e depois os risos com a velha piada “Vamo atravessar na faixa!”, seguidos de uma resposta um tanto hostil, mas com a intenção de prolongar o riso: “Que faixa porra nenhuma!”. O que se seguia eram vários alunos correndo no meio dos carros por pura preguiça de andar alguns metros e atravessar na faixa de pedestre.
Isso sem falar dos minutos incontáveis esperando o busão, que pelo horário vinha sempre bem lotado. Nas sextas, nós dávamos um jeito de esticar a noite comendo em algum lugar ou saindo para algum lugar. agora a realidade tem sido bem diferente. As aulas terminam e não há mais as paradas lotadas, a correria no meio dos carros e as reclamações do dia! As aulas terminam com um simples “Tchau gente, tô desconectando aqui!” Realmente, estamos um pouco desconectados uns dos outros.
Quando tudo isso passar, tenho certeza que vou valorizar muito mais cada momento vivido. Talvez seja uma forma de me ensinar a não reclamar, e sim, de agradecer; talvez nem das aulas que passam das dez da noite eu reclame mais. Acho que o distanciamento da minha rotina está me ensinando que nem tudo é para sempre, e que de um dia para o outro a vida pode virar do avesso. Um abraço pode ter sido último, aquela saideira ou lanche na cantina pode não acontecer mais. Esperamos por dia melhores, mas não sabemos o que está reservado para o nosso amanhã. Isso causa um certo medo. Por isso, eu tenho aprendido que é importante viver e aproveitar cada momento, até aqueles que parecem bem chatos. Até eles podem trazer saudade.