Em março, o Brasil entrou em quarentena com o objetivo de reduzir a velocidade de contágio do novo coronavírus. Com isso, diversos segmentos foram obrigados a fechar as suas portas. No entanto, os serviços considerados essenciais listados nos decretos federais e estaduais precisaram se adaptar para continuar funcionando, como é o caso dos supermercados. Munidos de equipamentos de proteção individual como máscaras, luvas e capote, os profissionais desse segmento ficaram na linha de frente, garantindo que as famílias pudessem se abastecer com produtos de primeira necessidade.
De acordo com o índice Cielo de Varejo Ampliado (ICVA), o setor de supermercado e hipermercados teve um aumento de 15,6% nas vendas entre 01 e 30 de maio deste ano. No início do isolamento, houve uma corrida a esses comércios, provocando a falta de alguns itens. Agora, a situação já foi controlada, e as pessoas voltaram a comprar com um pouco mais de bom senso. Outro dado importante é que 75% dos brasileiros preferem comprar em supermercados perto de casa e evitar aglomerações, conforme apontou a quarta edição da pesquisa Kantar Thermometer, beneficiando assim os comércios de bairro e fazendo a economia girar dentro da própria comunidade.
Cuidados redobrados
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) publicou a cartilha “Boas práticas para prevenção de Coronavírus (Covid-19) nos supermercados”. Nela constam as indicações para a higienização de carrinhos e cesta de compras, estacionamento, área de vendas, entre outras, visando garantir a segurança tanto dos funcionários quanto dos clientes.
Algumas redes criaram horários de compras exclusivos para membros de grupos de risco, como os idosos. A medição de temperatura é realizada na maioria dos estabelecimentos. Normalmente, um funcionário fica posicionado estrategicamente, permitindo a entrada somente de pessoas que apresentarem temperatura inferior a 37,8º. A máscara é item essencial, e o consumidor só pode acessar as dependências do mercado se tiver utilizando. O álcool em gel fica disponível em locais de fácil visualização e acesso. Os carrinhos de compra são higienizados continuamente. Há ainda colaboradores no interior do supermercado orientando os presentes a manter distância uns dos outros.
O que dizem os funcionários do setor
Na teoria, todos os cuidados necessários são tomados, mas na prática, muita gente ainda insiste em desrespeitar as normas: corredores lotados, filas quilométricas em que as pessoas ficam demasiadamente próximas umas das outras, além da utilização da máscara de proteção de maneira incorreta, entre outras coisas.
Lucyanne Silva, 32 anos, é fiscal de caixa e mãe de 4 filhos, dentre eles, um menino de apenas um ano de idade. Ela não se sente segura trabalhando em supermercado devido ao alto risco de contaminação e diz se sentir muito desconfortável com a atitude das pessoas durante as compras:
一 As pessoas estão fazendo o supermercado de shopping, sempre está lotado e isso acaba deixando a gente com medo. Muitos chegam a tirar a máscara quando vão tossir ou espirrar, e outras vezes eles comem sem a higienização das mãos. A empresa disponibilizou todos os itens de segurança, mas o principal é a máscara. Eu recebi quatro que são feitas de pano, e troco sempre que necessário. Agora também é obrigatório o uso da viseira.
Valdenice Santos, tem 38 anos, é recepcionista. Ela, que tem em seu grupo familiar pessoas do grupo de risco, a mãe de 69 anos e o sobrinho de um ano e nove meses considera o seu trabalho de alto risco, uma vez que tem contato direto com os clientes e seus pertences ao exercer sua função. Ela relata que segue todas as recomendações de segurança, mas a maioria dos clientes não colabora, pois se recusam a usar máscara e o álcool em gel.
一 A empresa nos recomenda a seguir todas as medidas de segurança e manter o ambiente sempre limpo. Também colocamos aúdios com as normas de segurança para a orientação dos consumidores, mas vejo que nem todos se preocupam com a sua saúde. Me sinto muito vulnerável. Quando chego em casa, tiro logo a roupa, coloco no sabão e tomo banho antes de falar com minha família. Aliás, passo álcool em gel assim que chego e troco os sapatos.
A operadora de caixa Eliêde Mendes, de 27 anos, fala que o principal problema de se trabalhar em um local como esse é a aglomeração. Grande parte das pessoas não obedece o distanciamento mínimo de um metro e utilizam a máscara apenas para conseguir entrar no estabelecimento, tirando logo em seguida. Sobre os equipamentos de segurança, ela nos conta que a empresa disponibilizou a maioria.
一 Me assusta a quantidade de pessoas que não teme pela vida do próximo, os clientes reclamam das medidas tomadas pelo supermercado. A minha máscara, eu comprei. Já a empresa disponibilizou álcool em gel e luvas, mas eu acredito que o uso de luvas não seja necessário, pelo menos pra gente [operadores de caixa]. Me deram também aquele capacete de proteção, mas só uma lavada que damos ele já arranha todo! Dá pra usar apenas umas três vezes, e depois disso você não consegue ver nada de tão arranhado que tá. Como tenho um filho de dois anos e meu esposo é fumante, quando chego em casa, tiro a roupa do lado de fora e vou direto para o banheiro, sem manter contato com eles.
A atenção aos sintomas da Covid-19 precisa ser redobrada para os trabalhadores essenciais como os funcionários de supermercados. Mas a rotina de trabalho impediu que a supervisora de merchandising Christine da Paz, 34 anos, chegasse a reconhecer os sinais que sentiu há algum tempo. Sua equipe já tinha alterado a rotina da equipe que coordena visando evitar os horários de grande fluxo. Nesse meio tempo, ela conta que chegou a sentir sintomas da doença, mas continuou trabalhando.
一 Eu e meu marido chegamos a ter sintomas, mas eu continuei trabalhando por achar que era apenas uma gripe. Eu consigo resolver bastante coisa por telefone, mas preciso sempre estar nas lojas por causa da equipe. Reduzimos o horário para evitar a aglomeração, no horário de pico das lojas geralmente já estamos saindo. Mesmo assim, acontece muita aglomeração, pessoas do grupo de risco nas lojas, e por aí vai. Eu acho isso tudo bem complicado, creio que nem todo mundo entende de fato a gravidade da doença e prefere pagar para ver.
Um ponto em comum entre as entrevistadas assusta: todas relataram ter colegas de trabalho que adoeceram com Covid-19 no ramo dos supermercados. Na maioria das vezes, eles tiveram a forma branda da doença, foram afastados durante o período de 14 dias e em seguida retornaram ao trabalho. Mas em alguns casos, manifestaram a forma grave da doença e precisaram ser hospitalizados.
Recomendações de segurança: do presencial ao delivery
A Vigilância Sanitária de Manaus (Visa Manaus) listou uma série de recomendações para uma ida segura ao supermercado. O documento aconselha que apenas uma pessoa por família deve ir ao estabelecimento, evitando a presença de idosos. Ao entrar, você deve higienizar as suas mãos, utilizando o lavatório ou álcool em gel 70% disponibilizado no local, o que geralmente acontece nas grandes redes. Ao realizar as compras, evite conversar, tossir ou espirrar nos produtos. Não consuma alimentos dentro do supermercado, e, se possível, pagar as contas com cartão é melhor, pois diminui o contato com o funcionário do caixa.
Há ainda empresas que disponibilizaram a opção de delivery de compras que normalmente fazemos no supermercado. Pode-se solicitar os itens por meio de whatsapp ou aplicativos de entrega. Essa alternativa é ideal para aqueles consumidores que preferem a comodidade e segurança de ficar em casa.
Em recente pesquisa divulgada pela operadora de cartões Rede, de propriedade do Itaú, somente na semana de 22 a 28 de março o delivery de supermercados cresceu 6%. Nessa modalidade, o cliente escolhe os produtos de casa e um funcionário separa os itens, que em seguida, são entregues na residência comprador. Algumas redes têm trabalhado inclusive com agendamento de horário.
Antes vistos como vilões, os entregadores tem ganhado o reconhecimento dos consumidores em forma de gorjeta. Segundo a Rappi, houve um aumento de 50% no percentual de gorjetas. Para o Ifood, só no mês de Março houve um aumento em 218% nos valores de gorjetas pagas os entregadores.
Suporte aos entregadores
Em matéria publicada no portal da revista Exame, essas empresas informam que prestam o devido suporte os seus funcionários: a Rappi comprou álcool em gel e máscara para os entregadores, além de reforçar as medidas de segurança nas Dark Kitchens (aqueles serviços de alimentação que funcionam apenas para delivery) e com trabalhadores dentro dos supermercados parceiros. O Ifood divulgou mais de 40 conteúdos informativos e distribui álcool em gel e outros equipamentos de segurança, além de criar dois fundos solidários para apoiar os entregadores em quarentena. Recentemente, a empresa decidiu ampliar as medidas de proteção com um investimentos de R$25 milhões para minimizar os impactos da crise.
Na capital amazonense, esses profissionais também precisam atender às seguintes recomendações da Visa Manaus. Assim, devem manter a higiene pessoal, que inclui roupas limpas, tomar banho com frequência, usar cabelo preso, utilizar de chapéu ou touca, não ter barba ou bigode, dentre outros. O veículo utilizado precisa ser higienizado a cada entrega, utilizando a solução de água sanitária diluída. O compartimento acoplado das motos onde são transportadas as compras também precisa ser limpo sempre que necessário. Após entregar os produtos, as mãos precisam ser higienizadas com álcool em gel. Ao apresentar gripe ou resfriado, o entregador deve ser afastado de suas atividades.
Higienização dos produtos
Muitos dos cuidados com a compra e a entrega dos produtos valem também para dentro das casas, antes de eles serem consumidos. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o infectologista Marcelo Otsuka orienta que é necessário realizar a higienização dos produtos comprados. Embalagens de plásticos ou alumínio devem ser lavadas com água e sabão.
“No caso de embalagens de papel ou papelão, como não é possível lavar ou limpar com substância líquida, o ideal é guardá-las em local reservado. Quando forem manuseadas, deve-se higienizar as mãos depois”, explicou o infectologista à Folha. Otsuka aconselha ainda que frutas, verduras e legumes sejam colocados em uma solução de água com água sanitária por 15 minutos e, após esse período, enxaguados em água corrente.
Independente de escolhermos ir ao supermercado ou receber as compras em casa via delivery, precisamos estar atentos às instruções dos órgãos de saúde para se proteger do coronavírus desde o contato com as outras pessoas até a higienização correta dos alimentos. Apesar da flexibilização do isolamento social no comércio, que começou a valer no Amazonas desde o início de junho, o vírus continua ativo e o número de infectados segue aumentando. Por isso, todo cuidado é pouco.