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Futebol na pandemia é em silêncio

Os impactos do novo coronavírus no futuro do futebol amazonense.
Reportagem de Camila Duarte e Luiza Queiroz
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 13 de junho de 2020
Foto: Fernando Moreno/AGIF
A grande arena localizada na zona centro-sul de Manaus ficou em silêncio. O amor pelo futebol teve que ser interrompido por uma doença que alcançou proporções nunca imaginadas. A chegada do novo coronavírus no Brasil fez com que lojas não pudessem mais abrir as portas, escolas não recebessem mais os alunos, eventos fossem adiados e as partidas de futebol, que eram dominadas pelos shows das torcidas, fossem suspensas. De repente tudo mudou, e o que antes era uma arquibancada cheia de torcedores com gritos de guerra em apoio ao time na Arena da Amazônia se tornou mais um lugar afetado pelas mudanças do temido vírus.

Em 2019, a campanha ‘’Por ti Manaus’’, movimentou a população manauara para comparecer a final da Série D do Campeonato Brasileiro, o qual era disputado pelo Manaus Futebol Clube. A campanha surgiu após um vídeo circular nas redes sociais, mostrando jogadores do time adversário com falas preconceituosas sobre a capital do Amazonas. Inconformados com a atitude do adversário, Manaus se uniu e mostrou sua força na Arena da Amazônia, a torcida empurrou o time e bateu o maior recorde de público presente na Arena da Amazônia, com quase 45 mil pessoas prestigiando o fim da temporada. A campanha ganhou destaque e reacendeu a paixão do torcedor amazonense. 

Mas a pandemia chegou e os campeonatos foram dados por encerrados. A Federação Amazonense de Futebol (FAF) até tentou realizar o Barezão de portas fechadas para o público. Entretanto, essa opção foi descartada quando dirigentes de clubes da capital votaram pelo adiamento da competição. Quando a chama do torcedor e do jogador manauara reacendeu, após anos apagada, ela teve que ser interrompida.

Bola rolando? Só a da pandemia
 
O sucesso do futebol local teve que ser interrompido e os jogadores e funcionários tiveram que se manter em isolamento para ajudar toda a população a enfrentar a doença. O torcedor acompanhou a bola rolar no estádio pela última vez antes da pandemia na partida do Barezão realizada no dia 15 de março, entre Manaus FC e Nacional, pela terceira rodada do campeonato. Embora com todo o esforço para cumprir as recomendações de saúde, a FAF, em reunião com os dirigentes dos clubes, optou por cancelar o Campeonato Amazonense 2020. A decisão por meio de voto ocorreu no dia 20 de março, levando em consideração o espírito esportivo das delegações em não pôr em risco a saúde dos atletas, funcionários e torcedores. 

Mesmo com o cancelamento do campeonato, outras competições oficiais da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) vão ser realizadas em outros períodos, fazendo com que a rotina de treino dos clubes recomece. Logo, os atletas em casa mantiveram suas atividades físicas por conta própria. No clube 3B da Amazônia, os treinos presenciais foram retomados no dia 1 de junho, cumprindo a recomendação de um metro de distância, o uso de máscaras e álcool em gel. Para o técnico do time, Marcelo Tchelo, a volta do treinamentos em um momento delicado é uma distração do que ocorre no mundo, uma forma para esquecer o vírus e focar no preparo para competições. ‘’Apesar de algumas atletas terem testado positivo para Covid-19, não vamos desanimar. Elas estão em isolamento e desejamos que se recuperem logo. Outras que já melhoraram estão de volta aos treinos, mas os exercícios são mais leves’’, comenta.

Mas por que tudo isso teve que acontecer, afinal? Além dos campos, diversas atividades esportivas foram canceladas ou adiadas em todo o globo. Para se ter uma ideia da gravidade da pandemia, o Comitê Olímpico Internacional decidiu adiar as Olimpíadas de Tóquio, que aconteceriam em julho de 2020. Sendo um dos principais eventos esportivos do mundo, a recomendação foi da Organização Mundial da Saúde (OMS), que notificou todos os países sobre o perigo de transmissão do vírus em eventos com aglomerações. 

Outros eventos também tiveram que ser suspensos, entre eles a maior competição da Europa, a Champions League, que tinha sua fase final prevista para maio. A data teve que ser adiada por conta do avanço do vírus no continente europeu. Na América do Sul, a Copa Libertadores também teve que ser suspensa. Os jogos, que ainda estavam na primeira fase da competição, tiveram que ser adiados após as primeiras pessoas dos países participantes testarem positivo para a doença.

Chegando no Brasil, a CBF teve que interromper os jogos dos campeonatos estaduais como medida de prevenção para conter a disseminação do vírus. A paralisação entrou em vigor na segunda semana do mês de março e ainda não há data prévia para a normalização dos eventos futebolísticos. Apesar de haver estudos para a volta dos campeonatos no país, dirigentes de clubes ainda seguem as recomendações de prevenção da OMS para continuar com o isolamento social.
 
É por causa de tudo isso que, na academia do clube 3B, as atletas passam por uma série de recomendações antes de usarem os equipamentos, além de respeitar o espaço de segurança. As jogadoras que tiveram a doença passam por exercícios de fortalecimento pulmonar, com acompanhamento da comissão técnica e dos médicos do clube. Apesar de nenhuma delas ter apresentado sintomas graves do coronavírus, mais da metade do elenco contraiu a doença. Diversos clubes da capital ainda não voltaram aos gramados para retomar os treinos. Para o meio-campo do Manaus FC, Janeudo Santos, o isolamento está deixando marcas físicas e psicológicas. ‘’Todos nós estamos estressados, ninguém gosta de estar nessa situação, mas é necessário’’, declara.

Embora o Manaus FC tenha estudado possíveis chances de retorno aos gramados, o técnico do time, Welington Farjado, é contra a volta dos treinos por se tratar se um momento delicado e também por Manaus ser a principal cidade da região norte com mais casos da doença. Porém, uma alternativa que o técnico encontrou para continuar o preparo do elenco foi a Internet, fazendo reuniões online com os jogadores e comissão técnica e desafios de treinos em casa. 

Tempos áureos

Por mais que seja uma medida preventiva para conter o avanço do vírus, o isolamento social chega justamente no momento em que o futebol amazonense estava de volta ao cenário nacional, do qual por muito tempo esteve ausente. A cápsula do tempo do esporte local começa na década de 1960. O entretenimento da classe média ficava por conta do esporte e foi nesse período que veio a ascensão do futebol, com os times Rio Negro, Nacional, São Raimundo, Fast Clube e Sul América.

Durante essa época, o torcedor amazonense comparecia aos estádios nos jogos, despertando a rivalidade entre os clubes para saber quem tinha o melhor elenco e quem possuía a melhor torcida. Nas memórias de Epifânio Normando, a saudade de vestir a camisa alvinegra do Rio Negro, clube o qual defendia, é inexplicável. “Lembro como se fosse hoje dos gritos dos torcedores quando o time marcava gol, era um espetáculo lindo no estádio, as bandeiras, os pompons! Em todos os jogos os ingressos esgotavam, era um orgulho jogar aqui em Manaus’’, relembra. O incentivo do torcedor fez com que o futebol amazonense evoluísse, chegando a nível nacional, quando o time rubro negro carioca, Flamengo, disputou um amistoso contra o Nacional que terminou em empate de 2X2, sendo manchete em diversos jornais do país.

Nos anos seguintes, os times do Amazonas ganharam repercussão na mídia nacional, quando mais uma vez enfrentaram o Flamengo no templo do futebol brasileiro, o Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Em 24 de agosto de 1969, Pepeta marcou um gol histórico para o clube manauara, conquistando a vitória do time visitante. Naquele ano, o futebol local foi apontado como glorioso pelos jornais da cidade. A festa na capital foi estampada no jornal Estado de São Paulo, com a manchete “Manaus celebra vitória do time com festa”. 

O governo local construiu um palco para os jogos, conhecido como Vivaldão. Mesmo com as obras inacabadas, em 1970 ocorreu a pré-inauguração do estádio. O público não desanimou e lotou as arquibancadas para ver o jogo entre a seleção brasileira e a seleção amazonense. Gradualmente, o cenário foi mudando. Se, nos anos 1970, houve até convocação de jogador amazonense para a seleção brasileira, os anos 1980 apontaram para a decadência dos times em termos de desempenho e incentivos.
 
Entretanto, o futebol amazonense ainda está vivo, e a prova disso são os jogos femininos, que costumam ter bastante apoio. Em 2016, o Iranduba Futebol Clube chegou a final da Liga Nacional de Futebol Feminino Sub-20. Na época, a Arena da Amazônia registrou mais de 17 mil pessoas presentes, quebrando o recorde de público em jogos femininos do Brasil.

Hoje, os clubes manauaras fazem o que podem para driblar essa crise e, com o apoio da CBF, tentam reparar os danos causados pela pandemia. O isolamento afetou o setor financeiro, uma vez que a renda parcial era do lucro da venda de ingressos dos jogos. Nos times do Rio de Janeiro, os jogadores tiveram os salários reduzidos, suspensão de contrato de trabalho por dois meses e uma série de demissões. Apesar do sucesso do futebol amazonense, a pandemia do novo coronavírus dificultou a difusão do esporte local.

 De acordo com o presidente do 3B, Bosco Brasil, o clube se manteve bem financeiramente durante o isolamento social e não precisou reduzir salários ou demitir alguns funcionários. “Felizmente não passamos sufoco, temos um setor administrativo que trabalha muito bem, mas sabemos que a nossa realidade não é a mesma do que das outras pessoas, por isso fizemos campanha e distribuímos cestas básicas e kits de higiene para famílias do bairro Aparecida, é uma forma de ajudar quem tanto nos apoia nos jogos”, comenta.

Outra forma do clube arrecadar dinheiro é abrindo vagas para sócios, atividade que o Manaus FC mais tem feito durante a pandemia. Nas redes sociais do clube, a interação com o seguidor é realizada diariamente, abrindo vagas para oportunidades de novos sócios, incentivando desafios entre torcedores, relembrando momentos marcantes do time e realizando sorteios. Antes da pandemia, o clube passava por crise econômica, fazendo com que o presidente saísse pelas ruas vendendo rifas para conseguir o pagamento dos jogadores. Com a ajuda da campanha e a chegada de patrocinadores, o time conseguiu sair da crise e durante a pandemia também fez doações de cestas básicas para famílias e instituições de caridade, em comemoração ao sétimo aniversário do clube.

Arbitragem em apelo 

Um jogo de futebol não se faz só com jogadores, e os demais trabalhadores do esporte também sentem os reflexos da pandemia. Os árbitros manauaras, por exemplo, trabalham de forma autônoma, garantindo o sustento com as partidas. A Associação dos Árbitros de Futebol Do Amazonas (ASAF) tem ao todo 74 profissionais filiados, que seguem contando com a ajuda de amigos e familiares para garantir a alimentação do dia.

O presidente da associação, Weden Gomes, relatou que a falta dos jogos diminuiu expressivamente a renda do mês. “Não houve nenhuma assistência do governo estadual nem federal, do município e nem da Federação Amazonense de Futebol. Solicitamos através de ofícios, mas nem resposta do pedido teve”, lamenta.

A associação conseguiu arrecadar cestas básicas e quantias simbólicas de dinheiro, que foram divididas entre os árbitros. Os que estavam habituados com a agitação dos campos e a vibração das torcidas hoje enfrentam uma realidade bem diferente.

 “Estamos orando e contando com a força de amigos. A Associação Nacional dos Árbitros fez uma doação de R$ 3 mil reais, eu consegui comprar 30 cestas de R$ 100 reais. Está sendo muito difícil, nunca imaginamos passar por isso, mas é necessário. O importante é que estamos com vida”, desabafou o presidente, que está a frente a associação há três anos.  

Torcendo em casa

Impossibilitado de ir ao estádio assistir de perto ao time do coração, o Manaus FC, o torcedor Gilson Mota enfrentou com tristeza a paralisação do futebol, mas entendeu que o tempo era necessário. Ele, assim como muitos outros torcedores, aprendeu a soltar o grito de guerra em casa, relembrando os clássicos jogos das equipes. 

“Quando teve o primeiro caso de coronavírus no Brasil, eu estava em São Paulo com minha família. Assistimos aos jogos do Corinthians e mesmo longe estávamos acompanhando a rotina do Manaus FC. Depois tudo ficou paralisado no mundo e infelizmente perdemos muitos amigos torcedores do Manaus. A preocupação era de quando isso iria terminar”, relembra o torcedor. 

Para a atacante do Iranduba FC, Ana Paula, os torcedores nunca sentiram tanta falta como sentem agora. A jogadora é otimista com a volta do apoio presencial dos seguidores de todos os clubes quando os torneios puderem ser realizados com segurança. “Tenho certeza de que quando tudo isso passar, as pessoas vão dar valor aos pequenos momentos e voltar a comparecer aos estádios e apoiar os times de Manaus”, acredita.

O vírus foi letal com alguns torcedores, mas outros mantiveram a esperança de sentir novamente a energia dos estádios. Gilson conta que a sua única distração foi assistir às lives do time, procurar saber como estava o elenco esportivo e rever os filmes de jogadores consagrados pelo futebol brasileiro. Se ficar em casa era essencial, torcer em casa também passou a ser necessário. E os vizinhos, como lidam com a gritaria da torcida em casa? Para o torcedor do Manaus FC, até a comemoração é contagiante. “Eu grito da minha casa, e o vizinho comemora da outra. Somos apaixonados pelo futebol do Brasil e do Amazonas, afinal, quem não é?”.
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