Diário de quarentena: nem sei mais em que dia estamos. Mas uma coisa é certa: são tempos estranhos, um tanto medonhos. Às vezes se parecem com cenas de um filme de suspense, no qual é impossível saber o fim, ou pior, de uma série de terror, como se cada dia fosse um novo episódio dessa temporada medonha.
O país está parado com a pandemia! Empresas sofrendo, a política sendo abalada e muitos tendo a máscara tirada. O desespero é estampado na cara de nossos governantes. E a educação? Na realidade, pouco se fala sobre isso. Nota-se uma grande preocupação com a economia de um país, mas um pouco de desprezo pela ferramenta que pode mudar o futuro.
Em tempos como esse, muitos alunos tiveram suas rotinas mudadas drasticamente da noite pro dia. Numa sexta, todos estavam tendo uma vida normal e de repente, na segunda, tudo começou a fechar. Foi assim na capital amazonense e em inúmeras cidades ao redor do mundo. Com cerca de dois milhões de habitantes, Manaus possui aproximadamente 20 Instituições de Ensino Superior (IES) espalhadas aos arredores da cidade. Uma em cada zona, e talvez uma para cada grupo social ou uma que se encaixa com cada pessoa.
Era cinco da tarde. A noite já se aproximava e, com ela, o alvoroço de Evelyn Silva, acadêmica da Língua Inglesa, para ir à faculdade. Saindo do estágio, que fica poucos metros da faculdade, de repente seu celular começou a vibrar freneticamente, indicando que algo não ia bem. Ao ver as mensagens no grupo da faculdade, ela se deparou com a notícia de que as aulas foram canceladas em decorrência do novo Coronavírus.
A primeira sensação foi de alívio. Ela pensou consigo mesma “é só por um tempo”, e que poderia aproveitar o resto da noite para relaxar de um dia cansativo. Enquanto Evelyn descansava, do outro lado da cidade, Emily Larissa, acadêmica de História de uma universidade pública da cidade tem um grande motivo para ficar triste e apreensiva. A caloura ia começar oficialmente suas aulas naquele dia, depois de três anos de Ensino Médio estudando e fazendo ‘viradão’ para conseguir a tão almejada vaga na federal.
Alguns dias se passaram e a situação do novo vírus piorava. Isso levou as instituições ou suspenderam o semestre letivo de vez ou se adaptarem a novas formas de dar aula. Em março, Guilherme da Silva, futuro fisioterapeuta em formação numa faculdade privada de Manaus, se deparou com a notícia de que a partir da próxima semana ele teria que entrar em uma sala de aula virtual pela plataforma Microsoft Teams para dar prosseguimento ao semestre letivo. “Não foi um choque muito grande. Afinal, já tive aulas online em outras situações, mas, confesso que aulas online são um tanto difíceis de acompanhar”.
Como Guilherme, alguns tiveram a mesma dificuldade para se adaptar, e isso é visto na postura de alguns alunos ao se depararem com as chamadas aulas remotas. É importante ressaltar que existe uma diferença entre aulas EaD e aulas remotas. Aulas remotas são uma modalidade de ensino avulso, é uma solução utilizada por instituições de forma acessível e em um determinado período de tempo, diferentemente da EaD que tem sua metodologia adaptada para ser a distância durante o curso inteiro.
O que para muitos se tornou motivo de facilidade, talvez até cômodo, para outros foi um motivo de estresse e desânimo. Caloura do curso de Biomedicina de uma faculdade privada, Jessica Malaquias sentiu o baque após a primeira semana de aula. “É horrível, a gente percebe que o aprendizado dos alunos e a didática do professor são afetadas”, reclama a universitária.
E as reclamações são sempre as mesmas “A internet vive travando”, ou ainda “Não consigo me concentrar”. Existem também relatos de alunos que se sentem mais cobrados durante as aulas remotas, o que ela não acha necessariamente ruim. “Acho que os alunos estão aprendendo a ser autodidatas e a se virarem por conta própria”, defende Jessica. Já Evelyn acredita que os professores falam muito sobre se reinventar em tempos como esse, mas muitos não se reinventaram: “Apenas jogam tarefa e os alunos que se explodam”, resume.
Para Jessica, a explosão citada por Evelyn tem um motivo: o imediatismo adotado pelas instituições para se adaptar rapidamente ao cenário da pandemia. “Eu vejo que os problemas não são as aulas online, mas a improvisação que se foi feita como uma gambiarra para que elas ocorressem”. Ela usa a plataforma Google Meet e acredita que o recurso tenha sido uma maneira apenas para empurrar um semestre. “Penso que para quem cursa alguma área da saúde não deveria ter sido proporcionado essa modalidade de aulas remotas. Era preferível esperar esse momento passar e depois adaptar o calendário acadêmico” avalia a universitária.
A dificuldade que Jessica relata se assemelha ao de muitos outros acadêmicos da área da saúde. Afinal, uma coisa que chama atenção nesse tipo de curso é o fato de que na grade curricular existem aulas em laboratórios. E sejamos francos, aulas em laboratórios não podem ser feitas de forma remota, pois envolvem uma estrutura fora do alcance do aluno em casa. Por isso, a acadêmica de Biomedicina questiona: “Como vou aprender só na teoria?”, mas logo depois se contenta ao saber que terá a reposição das aulas práticas. Só não sabe se terá a mesma qualidade: “Eu vejo que vão ser aulas corridas. Um semestre reduzido em poucos dias”, pondera.
E assim, dias, semanas e meses se passam. Muitos alunos estão sem ver suas turmas, professores e sem sentir aquela vibrante emoção de estar com os amigos da faculdade. É de dar um nó na garganta, ainda mais porque, por incrível que pareça, alguns utilizavam a faculdade como forma de garantir uma renda extra. Guilherme, por exemplo, vendia doces antes dos intervalos das aulas e relembra como ele se divertia oferecendo os quitutes pela faculdade. Enquanto vive essa situação, ele aproveita para planejar o retorno dessas vendas na volta às aulas e promete: “vem novidade por aí”!
Se a aula é remota, os amigos da faculdade se tornaram amigos virtuais. O sentimento permanece o mesmo, mas a falta do toque e do cara a cara se tornou uma memória. São saudades meio aleatórias, coisas que talvez nunca tivéssemos dado o devido valor. Para Larissa, a caloura que só teve aula de boas-vindas, a falta daquilo que não viveu leva à memórias mais difusas: “A minha maior saudade é acordar cedo e saber que eu estava indo estudar. Dentro da universidade, mesmo que por pouco tempo, sinto falta dos debates e das conversas com pessoas que eu conheci”. Já para Jessica, a nostalgia vem ao lembrar dos dez lances de escada que subia todos os dias.
“Sabe do que eu sinto saudade? De entrar na sala e dar de cara com meu grupinho!”, brinca Evelyn. Ela se emociona ao lembrar até dos intervalos das aulas. “Eu não sinto falta da cantina porque lá é tudo caro, a saudade é de comer meu churrasquinho da barraquinha na beira da rua e falar mal do pessoal do curso de língua portuguesa”.
Evelyn está prestes a se formar, mas a situação atual deixou sua vida de pernas pro ar. Junto com as aulas presenciais, existe o apoio da estrutura física da faculdade, com a biblioteca e acervo de materiais acadêmicos, e tudo isso foi perdido com a interrupção do semestre presencial. Ao olhar ao seu redor, ela se sente sem condições de terminar o projeto de Trabalho de Conclusão de Curso e, por fim, resolveu deixar o TCC de lado. Os prazos passaram, as notas se perderam e Evelyn se encontra em uma situação em que talvez muitos acadêmicos estejam. Sobre a formatura, ela só tem uma coisa a dizer: “Não consigo me ver formando online! Não quero nem pensar nisso!”.
Apesar de tudo, Evelyn ainda via um lado bom nas aulas remotas, ministradas através da plataforma Microsoft Teams. “Nas aulas presenciais, a gente tinha que esperar a professora, e nas remotas, ela que tem que entrar e esperar pela boa vontade dos alunos em chegarem”. Os grupinhos de estudantes que se formaram antes continuam a todo favor. É uma forma de tentar reviver de momentos do que antes era normal. “Eu e meus amigos entramos na sala de aula virtual antes da aula e ficamos conversando até a professora dar o sinal para o início das atividades”.
E o que dizer de Larissa, a caloura que já está sofrendo há meses com o atraso na sua graduação? Ela não teve a oportunidade de sentir a aflição de entregar um trabalho às pressas, de fazer um trabalho em grupo, de apresentar ao professor um questionamento, da correria pra pegar o integração, de se deparar com a fila do R.U ou com a comida não tão agradável sobre a qual tantos comentam. Como futura historiadora, ela se consola ao se sentir um tanto importante por fazer parte da História que um dia será contada.
“É tenso. Uma coisa é a gente estudar no Ensino Médio sobre isso, como a gripe espanhola, por exemplo”, explica. Ela sente que é um momento difícil, mas que ela vai poder passar com fidelidade para seus futuros alunos por ser algo que viveu. Enquanto as aulas estão paradas, ela aproveita para se qualificar na sua área. Entrou de cabeça nos cursos online que possam somar com sua graduação e conhecimento profissional.
O Governo do Estado do Amazonas prevê a volta das Instituições de Ensino Superior privado a partir de 06 de julho. Entretanto, as Universidades Federais e Públicas não têm data definidas para retomarem suas atividades e o Ministério da Educação (MEC) ainda não divulgou uma data certa para retomada das atividades acadêmicas nas federais.
De maneira geral, o que se percebe é que o atual cenário está forçando os alunos a se reinventarem, a buscarem conhecimento e a fazerem planos pós-quarentena, mesmo não sabendo exatamente quando a pandemia terminará. Suas visões divergem entre prós e contras, o que é um tanto compreensível. Ao longo das entrevistas não percebi, mas enquanto escrevia notei que os quatro personagens se dividem em duas áreas: dois de Humanas e dois da Saúde. No fim, eles apresentam argumentos bem parecidos.
Assim finalizo mais uma anotação neste diário de quarentena. Com relatos de universitários que estão aprendendo a sobreviver. Alguns, otimistas e tentando ver as coisas boas nas situações adversas; outros, um pouco desanimados, mas não derrotados.