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Encalhados e isolados

Crônica de Indra Miranda 
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 10 de junho de 2020
Foto: Pinterest
Não sei o resto do mundo, mas nessa quarentena estou com vontade súbita de viver um romance. Será esse mais um dos sintomas da Covid-19? Bem, ainda não foi confirmado, nem sequer ouvi alguém falar sobre isso, mas que tá esquisito, tá! Gente do céu, já assisti a todos os clichês disponíveis na Netflix e, só para se ter uma ideia, quase monto um fã clube para o “Ricos de amor”. Meu Jesus, nem tô me reconhecendo! Odiava a série “Friends”, achava tão sem graça e de repente salvei dezenas de fotos de Ross e Rachel... tenho uma pasta de vídeos das melhores cenas no meu celular e até tô me identificando com a mania de limpeza da Mônica. Só posso dizer uma coisa: isso não é o meu normal, eu pretendia entrar em um casório lá pros 52 anos e agora quero casar amanhã com uma pessoa que eu conheci ontem, praticamente, nos corredores da faculdade.

Vamos aos fatos para tentar entender essa minha loucura de isolamento social: Bolsonaro desMOROnando na política nacional (como sempre...mas agora estão super falando nisso, que falta faz um pouco de noção e um bom assessor); a imprensa militante militando como nunca (tô por um fio de abandonar o curso de jornalismo de tanta decepção e vergonha do que vejo em alguns programas); e até o Conexão Repórter veio à Manaus documentar o chamado " inimigo invisível ". Após conferir a reportagem, fiquei com um ranço do feirante que só falou babaquice, sem entender o porquê de não terem cortado essa parte... é claro, chorei horrores em consideração às famílias das vítimas, pedi até perdão de Deus por ter rido mil milhões de vezes da morte com aqueles caras de terno dançando com um cachão no ombro. Mas na real, o que mais me preocupou mesmo no final dessa bagaceira toda foi a possibilidade de eu cantar no coral dos virgens lá no céu. Acho que chorei bem mais por esse motivo, no final as contas. Misericórdia! O Apocalipse poderia esperar mais um pouco, né?

Ah , fala sério dona Covid, eu quero a vida como ela era! Quero poder sair sem usar essas máscaras que me deixam sem ar, bater perna por aí, poder correr livre pelas ruas com vento batendo na cara, ou melhor, com o sol queimando a minha cara... Pegando emprestado a expressão do menino baiano: “Se saia, por favor”, já deu o que tinha que dar! Além de me atrapalhar no simples ato de ir à padaria comprar meu pão, interferiu no meu esquema de desencalhamento (eu quero casar aos 52, mas ficar na seca até lá não dá, só para esclarecer aqui) . Logo agora que eu tinha um crush na faculdade... Caramba, que falta de consideração, que injusto! Ele vai se formar com as aulas remotas e daqui que tudo melhore já é 28 de dezembro, meu aniversário – aliás, me recuso a envelhecer um ano que eu não vivi! Nossa o final desse filme tá diferente...

Sou excêntrica mesmo. E agora o que me resta é esperar tudo isso acabar, sabe Deus quando, eu poder voltar às aulas presenciais na esperança de encontrar o boy (que, por sorte, é boy unção), na torcida que ele tenha que pagar duas ou três matérias ano que vem. E mais, na torcida, tipo final da Libertadores, para que tudo o que eu arquitetei na minha cabeça (pedido de namoro, noivado, casamento, nossos filhos Ana e Benjamin e nossos cachorros Baruch, Kaio e Florêncio em uma bela cabana no Sul) se torne real. Pura carência, paranoia ou realmente um sintoma do novo vírus à parte? De qualquer forma, isso não é pedir muito não, né?

Não, não é. Por que logo na minha vez? Por outro lado, já pensou: viver um romance com um mundo acabando, desmoronando, militando? É épico e belo, mui belo! E se sobrevivermos, olha que mais belo ainda, contarei aos filhos de Ana e Benjamin a seguinte narrativa, já devidamente ensaiada: “Meus netos, foi assombrosamente maravilhoso o ano de 2020. Estávamos no meio de uma diaba de uma pandemia, eu estava no quinto período de jornalismo e um pouco antes da prisão social, eu vi seu avô vindo estonteante vindo na minha direção no corredor do segundo andar da universidade, o moreno mais belo que já tinha visto em toda a minha vida. Após ter esbarado nele de propósito, fingi ter torcido o pé só para ele me ajudar a andar até a cantina para podermos tomar um café. E quando ele disse que nos veríamos em breve, vocês nem imaginam o que aconteceu. Sim, eu recebi um comunicado no meu e-mail da Martha Falcão dizendo que as aulas estavam suspensas por tempo indeterminado . Mas não desisti do meu velho assim de primeira não. Eu orei muito, muito mesmo, pra ele reprovar em algumas matérias para eu poder vê-lo no ano seguinte! E então, louvado seja o nome do Senhor – ele reprovou! Nós nos reencontramos e nos casamos. Podem aplaudir!”.

Enfim, bem mais que uma crônica, uma carta aberta para todos em meio a um colapso nervoso da solidão de um confinamento eterno. Vai que cola, não é mesmo? Afinal, não custa nada escrever aqui a minha história, ainda seja sobre o desespero de não pegar ninguém. Casados, aproveitem por mim. Mas sem postar nada nas redes sociais, por favor, senão vou torcer contra de propósito pra deixar de serem mais audaciosos que a causadora disso tudo. Porque se não for pra ser do contra, eu nem vou. Covid que lute!
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