Sempre me falaram sobre como é bonito ver alguém correndo atrás dos seus sonhos, como é legal ver alguém tão esforçado para atingir seus objetivos na vida e para chegar a algum lugar. Não me leve a mal, também vejo muita poesia nisso, mas meu caro amigo, vou te contar, a pessoa que inventou essa ideia de “correr atrás dos sonhos” nunca teve que correr atrás do 215. Isso mesmo, digo com plena convicção que esta pessoa nunca passou mais de uma hora na parada esperando esse maldito e rezando por um lugarzinho vago, até parece!
Lá estou eu, por volta das seis e quinze da noite, no maldito 215 extremamente lotado, a caminho da faculdade, com pessoas suadas e aparentemente cansadas depois de um dia de trabalho (inclusive eu). O trânsito está parado e, para a surpresa de absolutamente ninguém, eu estou ali em pé feito sardinha em lata me questionando “será que eu preciso mesmo de um diploma?”. É como dizem, o ser humano nasce bom, o transporte público que o corrompe. Continuamos ali.
O trajeto do meu trabalho para a faculdade nem é tão longo. Ambos ficam na Av. Mário Ypiranga, mas o horário de pico não ajuda. Para, desce gente, sobe gente, anda mais um pouquinho, desce gente, sobe gente. Mas veja bem, este caminho não é tão ruim como estou descrevendo. Já escutaram aquela história de que quando estamos gostando de alguém na escola, a gente sente até um ânimo de ir? Pois bem, ali no 215 eu encontrava uma felicidade momentânea diante daquela situação desastrosa que era pegar ônibus. Ali estava o amor da minha vida, sentado nos últimos bancos com um fone de ouvido, a mochila no colo e olhando pela janela. Ele sempre estava ali, de segunda a sexta, sempre no mesmo horário.
Entre uma parada e outra, eu sempre olhava para trás para dar uma leve flertada, mas, para o meu azar, sou péssima fazendo isso. Olha vou te falar, não é como nos filmes não, viu? O garoto dá um “sorriso tímido” e você corresponde com um “olhar tímido” e ai começa a passar a evolução da história de vocês com a música “A thousand years” de fundo. Não. Na verdade, é um caos. Quer dizer, você já tentou flertar com alguém em um ônibus lotado final da tarde enquanto você está com um coque prendendo o cabelo com lápis e a cara que parece mais um vidro de azeite? Pois é. Mas eu sigo tentando.
Certa vez eu entrei no nosso ônibus, isso mesmo, nosso ônibus e tratei de me encaminhar logo para parte de trás e procurar pelo meu amado. Neste dia ele estava com uma camisa quadriculada que eu particularmente acho o auge da cafonice, mas veja, eu não sou nenhuma perita em moda, inclusive eu tenho umas blusas com umas estampas bem esquisitas, mas preciso confessar que ele estava uma gracinha com aquela camisa. Me aproximei o quanto pude para mais um dos meus flertes mal sucedidos. Após descerem algumas pessoas, consegui ficar no seu campo de visão e jogar um charminho.
Em uma outra vez ele pediu para segurar a minha bolsa, dá pra acreditar? O que aquilo significava? Ele queria se casar comigo? Ter um casal de filhos? Uma casa com jardim? Olha, o que significou, eu não sei, mas eu, que não sou boba nem nada, fiz a linha sonsa e entreguei, agradecendo a gentileza.
Mas o que eu realmente queria era sentar ao lado dele para tentar uma conversa, mas falando serio, você já tentou conseguir um lugar vago em um ônibus lotado às seis da tarde? É quase impossível, por isso lhe digo que se você pega ônibus vai entender o que vou falar agora; se não pega, saiba que não estou exagerando. Aquele lugar é uma arena dos jogos vorazes, pessoas com sangue nos olhos e vestidos para a guerra. Conseguir um lugar é o prêmio.
Eu aprendi até a fazer leitura corporal pra ver quem já estava se arrumando para descer e, assim, tentar a sorte e conseguir um mísero banquinho (talvez eu até devesse colocar isso no meu currículo, sobre minhas habilidades extracurriculares dentro do transporte público). O meu desafio era dobrado, não só conseguir um lugar, mas do lado do boy.
Em uma sexta-feira, depois de uma semana inteira de luta, finalmente consegui o tão sonhado lugar ao lado daquele homem lindo, alto, moreno e sensual. Ok, talvez eu esteja exagerando, mas sério, que homem! Pensei “é um presente do universo depois dessa semana louca”. Como a própria rainha do proletariado, me sentei ao lado dele.
Minhas mãos estavam suadas e eu estava com aquele frio na barriga, porém, decidida em puxar conversa. Quando pensei que tudo estava indo bem o universo resolve me dar uma rasteira, me estapear e me espancar forte. Uma velhinha entra pela parte de trás. Quando eu vi, fiquei orando para que qualquer outra pessoa cedesse o seu lugar (sei o que você está pensando, mas não me julgue, ok? Foi difícil conseguir aquele lugar!). Mas ninguém cedeu e, adivinha quem levantou? Isso mesmo, o boy. Por que me odeia, universo? Já não basta ter que pegar o ônibus lotado? Ir para faculdade, sair só 22h, pegar outro ônibus e fazer tudo isso com fome? É verdade quando dizem que o pobre não tem um minuto de sossego. Eu que lute, ou melhor, eu que apanhe!
Por falar em apanhar, além de lidar com todos os percalços do transporte público, (como se não fossem suficientes) agora também fui tombada por um tal de coronavírus. Não que eu tenha me infectado, mas, por conta dele, estamos em sei lá que dia da quarentena trancados em casa e impossibilitados de flertar no 215.
Mas acreditem ou não, pegar ônibus é uma arte. Ela te prepara para as adversidades da vida e nos faz transcender, porque se você consegue enfrentar o 215 em um horário de pico, você consegue qualquer coisa. Pera, quem estou querendo enganar? Deve ser efeito da quarentena, por isso que estou aqui me lembrando do 215 e romantizando esse maldito lotado. Mas é verdade, não vejo a hora de voltar para minha rotina que eu tanto reclamo e para a minha linda história de amor às seis da tarde. Acho que já estamos apaixonados. Quem sabe quando voltarmos eu descubra seu nome.