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Curioso compulsivo ou jornalista nato?

Crônica de Maickson Serrão
Estudante do 7º período do curso de Jornalismo da Faculdade Martha Falcão
Publicado em 04 de junho de 2020
Imagem: Ricardo Borges/FolhaPress 
Não sei quanto a vocês, mas eu tenho um estranho hábito. Todas as vezes que uso transporte coletivo, me deixo levar pelas conversas que acontecem ali, entre pessoas totalmente desconhecidas. Costumo pegar ônibus para ir ao trabalho e à faculdade. A distância não é longa, porém, devido ao trânsito intenso da grande Manaus, em horários de pico é possível ouvir diversas narrativas um tanto histriônicas.

Confesso que sou um curioso e, talvez, isso esteja ligado ao meu signo. Nós, aquarianos, somos considerados os buscadores da verdade, nos envolvemos em problemas até de quem não conhecemos direito. Mas quem nunca quis saber o desenrolar de uma conversa, que atire a primeira pedra!

Eu sei, tem o lance de que é falta de educação ouvir a conversa dos outros. Sou bem ciente disso, no entanto, comumente foge ao meu controle, e quando me dou conta, já estou tão imerso na conversa alheia que rezo para que minha parada não seja a próxima. Fico com a necessidade de saber se a tal Joana vai realmente falar umas verdades para seu patrão assediador no final da estória, por exemplo.

Aliás, a culpa pela falta de educação também é dos interlocutores dos diálogos que acontecem nos coletivos. O que parece é que essas pessoas esquecem que não estão sozinhas. Falam demasiadamente alto. É possível notar que muitas vezes eles sequer se conhecem, mesmo assim seguem viagem compartilhando seus relatos com a maior facilidade. Às vezes tenho a impressão de que realmente querem ser ouvidas, e, mesmo que seja por um curto período de tempo, fazem questão de narrarem suas “verdades”. 

Outra coisa que é bem comum, principalmente entre pessoas acima dos 30 anos de idade, são as conversas ao telefone em alto volume. Nesses casos, a curiosidade fica ainda mais aguçada, ouvindo apenas uma parte do relato. Lembro de uma situação em que uma mulher falava aos gritos ao telefone. Sua amiga, sentada ao lado, envergonhada, cutucava-lhe com o ombro e pedia que falasse mais baixo. Ela então respondeu: “Pensa que São Paulo é perto?! Como ele vai me ouvir?” Todos no ônibus riram.

Decerto já busquei soluções para essa síndrome de curiosidade aguda. Por exemplo, baixei aquela playlist de sucesso no Deezer e aumentei o volume. O problema disso é que tenho medo de chamar a atenção para o celular e me tornar vítima de um possível assalto. Por fim, prefiro continuar escutando a conversa dos outros a ter um prejuízo.

Outra solução buscada foi minha tentativa vã de focar a mente em outros pensamentos, mas também não deu certo. Meu ouvido, teimoso, fica caçando conversa. Nessas horas, queria que mais pessoas fizessem silêncio ou usassem fones de ouvido como alguns corajosos o fazem.

Em uma das muitas conversas que já ouvi, duas amigas traçavam um plano para que uma colega de trabalho delas pegasse o namorado no flagra com a amante. Noutra, a mãe contava à cobradora do ônibus que não sabia mais o que fazer para expulsar o genro de sua casa, pois ele só sabia lhe dar netos e nem trabalhar queria.

Nesses diálogos, quase sempre tomo partido e me coloco no lugar de quem é o alvo das conversas: o gerente que é criticado, a mulher que é traída, o amante não correspondido... A gente acaba se envolvendo, como acontece com nossos personagens queridos nas novelas das nove.

Por vezes também sou tomado por um sentimento de vergonha. Como na noite em que, a caminho da faculdade, sentado ao lado de uma das janelas e sentindo a brisa do vento, movi os olhos em 360 graus e vislumbrei duas moças conversando. Uma delas aparentava bastante nervosismo. O segredo parecia ser sério. Embora as duas falassem baixinho, fugindo ao padrão das conversas dos coletivos, meu ouvido apurado conseguiu captar todos os pormenores. A jovem contou que, na noite anterior, havia transado com um namoradinho da escola sem preservativo, e perguntava à amiga o que devia fazer. Tive um sentimento de repulsa por mim mesmo por estar invadindo um espaço tão íntimo daquelas duas jovens amigas. Concentrei toda a minha atenção nos carros que passavam do lado de fora, e esgueirei-me pelo labirinto tortuoso dos meus outros pensamentos. 

Andar de ônibus tem seus percalços, muitos, na verdade. Todavia, essas nuances e enredos dão ao percurso outros significados. Cada trajeto acaba se tornando diferente e é adornado por diversas estórias, conversas, desabafos, relatos e fofocas ligeiras. Fico pensando: se eu já entro nas estórias dos outros passageiros, quem dirá o cobrador e o motorista! Será que eles usam algum método que bloqueia essa curiosidade?

Tenho uma amiga que me chama de fofoqueiro compulsivo. Possivelmente eu seja mesmo. Me pergunto se isso tem tratamento. Apenas eu sou assim? Defeito de fábrica? Ou apenas uma mente muito fértil que anseia por histórias vividas? Lembro que, quando menino, queria ser escritor de novelas. Achava surreal a forma como aquelas estórias eram contadas. Aquela riqueza de detalhes me fascinava. Mas, na falta de um Projac, decidi ser jornalista mesmo.

A escolha pelo jornalismo é uma das minhas buscas. Gosto de ouvir histórias, acompanhar personagens da vida real, e viajar nesses cotidianos tão próximos de nós e, ao mesmo tempo, tão distantes. Mas, por via das dúvidas, vou atrás de algum grupo de curiosos anônimos. Se souber de algum, entre em contato.
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