Antes de aprender a dirigir, sempre dei preferência a fazer a pé os caminhos até lugares próximos da minha casa. Por morar em uma avenida principal, eu sempre tive localizado perto de mim vários pontos que eu adorava visitar. Entre eles, o meu favorito, o Manauara Shopping. Estando a cerca de dois quilômetros da minha casa, esse era um lugar que eu costumava ir muito a pé dos meus 13 aos 17 anos. E é intrigante o tanto que podemos observar fazendo um trajeto simples como esse.
Ao sair do meu prédio para iniciar o percurso, eu já dava de cara com Seo Luís, um senhor muito simpático por sinal, que tinha um ponto onde vendia frutas, na calçada do lado oposto de onde eu morava. Como o caminho desse lado era melhor, eu sempre buscava atravessar a rua até ele. Ao chegar na calçada, era logo surpreendido com um “Boa tarde, jovem! Está de olho em alguma fruta?” já de costume do quitandeiro. Era engraçado, porque por mais que eu negasse toda vez, ele passou meses me perguntando se eu estava ou não de olho nas suculentas frutas que ele vendia.
Após quase um ano, acredito que ele finalmente notou que eu era só um menino que morava em frente do seu ponto e fazia aquele caminho por várias vezes ao mês. Com isso, aquele senhor virou um colega, e sempre que eu passava ali, eu perguntava como estava ele e sua família. Em 2017, Seo Luís resolveu fechar sua pequena quitanda, dizendo que estava cansado de trabalhar e que agora gostaria de poder descansar um pouco.
Seguindo em frente no caminho, eu chegava a ver inúmeros acidentes de carro. Nenhum tão grave assim. Acontece que o movimento de carros nessa avenida se tornava muito intenso a partir das cinco da tarde. Com isso, aquele amontoando de carros sempre acabava com algum encostando em outro. E eu, apesar de nunca ter presenciado um acidente grave, também nunca me esqueci da vez em que vi uma discussão feia, e tudo por apenas um pequeno arranhão.
Como de costume, era em torno das cinco ou seis da tarde. Eu já estava voltando do shopping para a minha casa, quando ouvi uma buzina que não parava de ser acionada. Quando olhei para trás e observei, o dono de um veículo que estava à frente de outro já seguia, possesso de raiva, em direção ao carro de trás. Visivelmente furioso e sem dúvidas desequilibrado, o homem foi aos berros, apontando o dedo para a porta do condutor do veículo que encostou e deu um pequeno arranhão no automóvel dele. O motorista do outro carro também era um homem, e ao contrário do cara furioso, que todos observavam assustados, ele desceu em uma calma impressionante e apenas pediu desculpas. Na mesma hora, parece que o mundo do homem revoltado desmoronou, pois ele percebeu que não conseguiria causar confusão; o outro motorista era super pacífico. Pedido de desculpas aceitos, o show já havia sido dado e decidiram seguir em frente, cada um no seu rumo.
Dando continuidade, já em outros dias, o que mais me chamava a atenção era a quantidade de moradores de rua na avenida. O mais bizarro foi que, com o passar dos anos, eu pude notar que os brasileiros nas calçadas estavam em número cada vez menor, e os venezuelanos pareciam tomar seus lugares. Aos poucos, as várias pessoas que vinham até mim pedindo dinheiro se tornaram pais de crianças que falavam espanhol e seguravam cartazes dizendo estar a procura de emprego.
Ver as crianças era o que mais me partia o coração. Elas pareciam não ter noção da vida que infelizmente estavam levando. Provavelmente por conta da pouca idade, algumas chegavam a se entreter com brinquedos vindos de doações, enquanto os pais, com semblantes exaustos e sem esperança, seguiam na luta para tentar conseguir algo.
Outra coisa que me incomodava no trajeto era presenciar cenas de assédio. Mais à frente, já próximo ao Manauara, há uma passarela ligando os dois lados da avenida, e embaixo dela tem um ponto de ônibus. Foi passando ali que presenciei homens mexendo com meninas adolescentes e mulheres vividas inúmeras vezes. Era só alguma passar que já era possível ouvir assobios e cantadas, das mais baratas que você puder imaginar.
Eu me sentia péssimo por não poder fazer nada para impedir que aquilo acontecesse. Afinal, eu também tinha medo do que aqueles homens eram capazes de fazer, então eu apenas torcia para que um dia eles pagassem pelo constrangimento e mal que fizeram a tantas mulheres que realizaram aquele trajeto. Confesso que um dos momentos mais satisfatórios pelo qual passei presenciando uma dessas cenas foi quando um cara fez mais uma de suas péssimas cantadas para uma mulher, que devia ter em torno de uns 30 anos de idade. Ela não deixou barato e o mandou tomar “naquele lugar”, seguido de um gesto obsceno que a mesma fez com o dedo. Fique morrendo de medo de qual poderia ser a reação do rapaz, mas felizmente ele não abriu a boca.
Com isso, após presenciar várias pérolas pelo caminho, ao chegar nesse ponto bastava eu subir e caminhar pela passarela, entrando finalmente no shopping, um mundo muito mais sanitizado e simples em comparação àquele lá fora.