OS LONGOS DIAS DO INICIO DE UMA PANDEMIA
Danniella Rodrigues – Redação PortalFalcon.com
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Há quase dois meses, nossas rotinas mudaram completamente. O que talvez nunca imaginaríamos que pudesse nos acontecer. Passo a observar atentamente a padaria vazia, as manhãs quase sem trânsito, a faculdade fechada, os trabalhos reduzidos e todo um país em casa à espera de dias melhores. E assim, a vida corrida de uma cidade grande passou a ter um ar mais sossegado, ruas mais tranquilas e famílias reunidas em suas casas, elas querendo ou não.
No início do isolamento social, tudo foi mais brando. Eram só dez dias, eu e meus pais em casa, não tínhamos o que temer, mas os dias passaram, a vida teve que ser readaptar às aulas on-line pela manhã, às reuniões de trabalho à tarde e às saídas só em casos essenciais. Desde então, tenho uma nova difícil rotina, sem passeios, sem meio treino funcional, sem salão nas sextas-feiras, sem cinema e sem os cafés no shopping que eu tanto gosto. Agora meu itinerário é o supermercado e a drogaria.
Espero ansiosa pelo dia de ir ao supermercado. Arrumo o cabelo, arrisco até passar um rímel e preparo meus dois novos acessórios indispensáveis, a máscara e o álcool em gel. O coração até dispara sentindo a felicidade em poder sair. Apresso meus passos até o portão na euforia em poder ver pessoas, mesmo que desconhecidas.
Porém, quase sempre noto a rua deserta. No lugar de vozes, ouço apenas o canto dos pássaros. Conto o número de casas fechadas, várias pelo trajeto. Continuo a caminhada e finalmente encontro alguns conhecidos, mas a alegria é momentânea. Ao mesmo tempo que tenho a sensação de bem-estar em poder sair de casa por alguns minutos e ver gente, fixo o meu olhar nas mudanças. As pessoas receosas, os funcionários do supermercado medindo a temperatura e oferecendo álcool em gel. No chão observo as marcas delimitando a distância entre as pessoas. Os atendentes usam máscaras, além de uma proteção de acrílico nos caixas.
A sensação de bem-estar muda em segundos e passo a me questionar sobre o risco que posso estar correndo em estar ali mesmo que com todos os meios de prevenção. Os pensamentos aceleram, o medo aumenta e calculo os segundos para poder pagar minhas compras e enfim, retornar para casa, onde me sinto segura. Lembrar de como as coisas eram dói, as mudanças foram bruscas demais.
De volta para casa, essa incerteza me aflige cada vez mais. Sinto as horas demoradas, os dias longos e isso talvez seja uma abstinência de vida social. Mas tento mudar o foco e levar as coisas tranquilamente. Às vezes, até mentalizo que estou de férias, leio meus devocionais, assisto a uma série, arrumo a casa, faço um bolo, vejo uma live de sertanejo, faço ligações por vídeo, ataco a geladeira várias vezes e até planejo cortar meu próprio cabelo. Quando menos percebo, as crises ansiedade me maltratam e enfrento uma guerra contra meus próprios pensamentos explicitamente: lutar contra a ansiedade e a síndrome do pânico, sem a ajuda de ansiolíticos.
Sinto uma necessidade extrema de que tudo volte ao normal. Sinto uma saudade constante de encontrar meu namorado, amigos e o restante da família. Sinto falta de coisas simples, como chegar cedinho na faculdade, andar pelos corredores, cumprimentar os seguranças, as tias da limpeza e esperar minha melhor amiga no lanche próximo ao elevador para tomarmos café enquanto conversarmos antes da aula. E nessas horas percebo que talvez nada será como antes, pois quando tudo isso passar, iremos valorizar cada detalhe que antes passaria despercebido por nossos olhares.
Edição: Danniella Rodrigues
Supervisão: Macri Elaine
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