Uma sequência de alarmes toca e só vou desligando tudo. A preguiça reina como toda manhã. Naquela de “só mais cinco minutinhos”, eu abro os olhos pra ver as horas no celular e pulo da cama para o banheiro. Atrasadíssima para o trabalho, e apesar de estar sempre, finjo tentar ser pontual para a consciência ficar leve. Saio do banho pensando: será se hoje tem algo importante programado?
Nunca tive o hábito de tomar café da manhã, pois sempre acordava em cima da hora pra escola ou nem acordava. Então não foi nenhuma surpresa lembrar da primeira refeição quando já estava quase no carro, e mesmo tomando um remédio que exigia comer de manhã há quase um mês, eu conseguia esquecer isso, então parabéns para mim, que devia levar o prêmio de esquecida do ano.
Vou para o carro fazendo quase um malabarismo com bolsa, pasta, caderno, roupa, prato com tapioca e copo de suco para um delicioso café da manhã com pressa e carros buzinando. Por que levar tudo isso? Porque não tenho rotina. Quem sabe se eu volto para casa depois do trabalho ou se fico no meio do caminho?
Antes de pegar meu rumo, boto as sete músicas de lei que escuto até enjoar como repertório do trânsito no qual ainda vou cair. As músicas são muito úteis pra ficar tranquila e me impedem de gritar com alguém imprudente tamanhas oito da manhã. Lembro ainda que preciso buscar a cerimonialista do trabalho (a Márcia; sim, eu me esqueço dela todo dia), putz, pelo menos fica a três minutos de casa e não demoro pra chegar lá, mas certeza que ela não estará pronta. Ela responde que está vindo para o carro e eu, que já conheço a peça, puxo freio de mão, começo meu café da manhã e penso na desculpa que ela vai dar (porque todo dia é uma diferente). E como previsto, a de hoje foi que não estava achando a bolsa.
Aí nosso trajeto começa. Saímos do conjunto de casas para a avenida principal. Nesse meio tempo que espero pra entrar na rua, Márcia observa desde a parada de ônibus (provavelmente pensando na volta pra casa) até a padaria na outra ponta (entendo, também estou com fome). Pelo horário, já deduzo que o trânsito está uma loucura, composto geralmente por pais que ainda não deixaram as crianças na escola, pessoas que só entram 9h no trabalho e atrasados para o trabalho às 8h (meu caso).
Passamos pela área mais movimentada, onde a maioria dos estabelecimentos estão abrindo, e as pessoas começam a se acumular na frente de loterias, bancos e do CAIC. Meu desejo é conseguir acordar cedo que nem eles. Sigo dirigindo e Márcia é meus olhos para observações mais atentas o caminho todo, então geralmente eu ouço comentários da roupa dos outros, do ânimo deles, de que ônibus vai pra tal lugar, depende do dia.
Paradas no sinal do cruzamento, sigo terminando minha tapioca enquanto olho pros lados atrás de algum amarelinho, vai que algum passa e me vê com zero mãos no volante. O que seria se eu, filha de agentes de trânsito, levasse uma multa por um motivo desses? O sinal abre e descemos os Franceses. É recorrente chegar naquele ponto e, se não estiver com o ar condicionado do carro ligado, ligar ali, se não o belo calor manauara nos derrete. Quando se desce a avenida, tudo o que se vê são intermináveis comércios, postos de gasolinas e casas grudadas umas nas outras. O que faz a falta de árvores nesse meio, né?
O trânsito cruel começa antes de onde esperava pegar, mal anda. Decido então cortar caminho pela Alvorada entrando na primeira rua que consigo. Confesso que não sei me locomover muito bem por dentro do bairro, as ruas parecem todas iguais, mas conheço uma pessoa andarilha que pode me guiar nesse bololô de passagens e por sorte ela está passando blush do meu lado. O caminho nos presenteia com diversos buracos (ou valas no chão, depende da rua) e começo a lembrar porque detesto pegar trajeto por dentro de bairro.
Sinto meu celular vibrar, a mensagem é da minha supervisora (a Jacque) perguntando se eu posso parar numa farmácia no caminho, pois não está se sentindo bem. Mensagem vindo de alto escalão é uma ordem, né? Viro na principal da Alvorada que, na minha concepção, é toda integrada por lojas de roupas intercaladas com as que vendem qualquer coisa que você queira: eletros, acessórios, além de drogarias e cafés da manhã lotados de pessoas lendo o jornal enquanto esperam os pedidos. Olho o movimento, Márcia me atualiza dizendo que na boutique da amiga dela chegaram novas roupas de São Paulo e eu sabia que ela me arrastaria para ver depois.
Paro o carro perto de um lugar com três drogarias próximas e entro na mais próxima. Começo a pensar o quão estranho é ver a Jacque doente, em meses trabalhando lá nunca a vi nem tossir (ela é a pessoa mais saudável que conheço). O dono da drogaria, na maior calma do mundo, pergunta o que quero (e agora? Não entendo de remédios). Escolho os que acho certo e saio apressada.
Seguimos caminho, e já dá pra ver o resquício de carros alegóricos que ficam na lateral do Sambódromo. Enquanto faço a volta, Márcia lembra de um congresso que está acontecendo no Vasco Vasquez, então evitar a pista próxima da entrada dele é essencial. Felizmente também, não teve show na arena e não veremos hoje nenhum ressaqueado da festa tomando café ali perto ou andando de preto na passarela (segundo a Márcia, que sempre repara neles).
Só quem passa pelo cruzamento da Avenida Pedro Teixeira com a Constantino Nery sabe a demora que é pro sinal abrir (uó). Até o semáforo ficar verde, eu já sabia todas as frutas, brinquedos e utilidades não tão úteis que os vendedores seguravam passando pelos carros. Márcia continua falando sobre a abertura do congresso que aconteceria a tarde e que alguém dos nossos setores deveria estar lá.
Quando consigo entrar na Djalma Batista, a minha sorte é que ela está fluindo (e bote sorte nisso). Não vejo muitas pessoas andando na calçada, mas um amontoado delas nas paradas. Evito ficar na via direita pra não ficar atrás dos ônibus e, nesse meio tempo, corto algumas pessoas despreocupadas demais para chegar no seu destino (foi mal aê).
Enfim, vejo a barraquinha de café da manhã na frente do meu trabalho e os servidores que já bateram o ponto e foram fazer hora nas mesas ali. Entro no estacionamento e paro o carro longe, não posso nem reclamar porque se quisesse estacionar perto, teria que acordar cedo (eu que lute).
Eu e Márcia subimos para nossos setores, e encontro o meu vazio. Lembro que a maioria dos funcionários está fora, em eventos ou resolvendo problemas, nada fora do padrão. No anexo, Jacque está deitada no sofá. Depois que ela toma os remédios e concorda em ir pra casa, descubro que seria ela quem iria para o congresso mais tarde, o que agora fica como minha responsabilidade. Não vejo problema, já que entrei quase uma hora depois do meu horário.
Depois que a ela parte, volto pra minha mesa com uma caneca cheia de café puro (que eu nem gosto) imaginando o quanto o dia seria longo. A cada gole, eu torcia para não me atrasar na programação da tarde.