O ano é composto por 365 dias e eu posso dizer que todos eles são de pura saudade do lugar onde eu nasci. É uma cidadezinha pacata, com uma distância consideravelmente grande para meros mortais, um lugar pequeno onde todos se conhecem e, por incrível que pareça, ainda se ajudam com o pouco que tem. Como em muitos lugares, em Japurá você tem que fazer seu nome. Por exemplo, eu sou conhecido como o filho do senhor Luiz ou o menino do cartório, que foi o lugar onde trabalhei por muitos anos e, como consequência, as pessoas optaram por usar “Neto do Cartório” como meu nome.
Quando você é filho único e tem uma relação de amor muito grande com seus pais, tudo que você quer é estar perto deles. Comigo não foi diferente. Lembro-me muito bem de quando decidi sair do ninho. Foi numa tarde ensolarada, quando fui com alguns amigos a um banho próximo à minha casa. Para quem está se perguntando o que é “um banho”, eu digo: banho é uma balneário, digamos assim, um lago bem arrumadinho onde você pode se banhar e se divertir com amigos e familiares. Foi naquele momento que saí da água e um silêncio trouxe à tona dúvidas sobre o que eu queria para o meu futuro.
Lembro-me bem dos cantos dos passarinhos, como o vento balançava os galhos das árvores e daquele silêncio que, por meros segundos, dominaram minha cabeça. Tudo passava como nos filmes, em câmera lenta, e foi ali que decidi que precisava sair da minha zona de conforto. Sonhei grande, com algo que eu sempre quis, que era fazer uma faculdade de Jornalismo.
Sabe porque isso é um grande sonho meu? Porque minha realidade não me permitiria isso, e adivinhem, eu estou conseguindo e isso me satisfaz muito. Mas mesmo com esse prazer de realização tão próximo, a saudade na calada da noite vem, e ela não vem moderadamente, mas com intensidade. As lágrimas passeiam em meu rosto enquanto lembro do gosto daquele feijão que só minha mãe sabe fazer, daquele toque que ela costuma dar no meu cabelo quando deito na sua perna no sofá. Tudo isso pode ser resolvido facilmente: é só ir para o porto na tarde de um Sábado e pegar uma embarcação que demora cinco dias para chegar em Japurá.
Talvez você esteja se perguntando se é exaustiva essa viagem. Mas eu digo que não é, sabe por quê? Quando você tem uma certeza na sua cabeça de que está indo de encontro a pessoas que você ama e do lugar onde você cresceu, o cansaço ou a falta de paciência somem e tudo se transforma em alegria.
Todos os anos eu espero por esses cinco dias. Aguardo o Sábado chegar e, logo pela manhã, tomo aquele café reforçado e penso se não esqueci alguma coisa. Corro nas minhas malas para fazer uma última verificação. O tempo passa lentamente nesse dia, ele meio que tortura a minha mente, mas quando finalmente chega a hora de ir até o barco, o coração vibra. Na trajetória até o porto, sempre faço questão de contar ao motorista do aplicativo um pouco sobre minha vida e o quanto minha casinha é longe. Alguns deles até falam que um dia querem conhecer Japurá.
Ao chegar no barco tenho mais uma missão: encontrar um lugar para me acomodar entre as redes, que são muitas. Nada de lugar reservado, viu? Você escolhe o ponto onde vai passar a viagem, um vizinho do outro nas redes. Após isso, vejo o entardecer e os pensamentos afloram em planejar tudo que eu vou fazer quando chegar no lugar pelo qual tenho tanto carinho. A sensação do vento em meu rosto quando vou à frente do barco e fecho meus olhos. Isso me traz lembranças boas e confortantes. Ao pôr do sol, vejo-me numa posição privilegiada no meio do rio, que é algo tão lindo que não consigo colocar em palavras.
Durante o trajeto ao longo de dias no rio, as conversas que tenho na viagem são pontos importantes para controlar a ansiedade de chegar logo. O mais legal é que os desconhecidos logo viram grandes amigos. Você começa a fazer as refeições com eles e acaba por ouvir toda a sua vida. Não posso também esquecer as paradas que o barco faz nas cidades vizinhas, onde você pode esticar as pernas e conhecer um pouco dos locais, desde que seja rápido. Você se depara com costumes e gostos diferentes e compara com o lugar onde vive. Por exemplo, a cidade de Codajás traz o gosto do açaí de uma forma completamente diferente do de Manaus, algo mais forte e denso que você pode degustar já no porto da cidade.
Coari tem suas frutas extremamente gostosas na feira perto do porto, sem contar que você pode subir na garupa de um moto-taxi e conhecer os arredores da cidade em menos de 20 minutos. Mas algo que realmente chama a atenção para mim é em Maraã, onde você pode ver a cultura local do folclore estampada em toda cidade. Lá, ao contrário do boi de Parintins, quem ganha destaque são os botos, e assim como no festival de Parintins, a cidade organiza todos os anos um festival de magia com seus personagens centrais. Isso pode ser visto o ano todo através de pinturas e alegorias que ficam espalhadas na cidade. Sempre adquiro conhecimentos culturais com essas paradas, além de sentir um alívio momentâneo por colocar os pés em terra firme.
Eu posso dizer que a cinco dias fica o lugar que eu mais amo, que a cinco dias ficam as pessoas para as quais eu daria minha própria vida. Tudo isso me ensina a realmente valorizar as pequenas coisas que tenho: o abraço apertado da minha vó, as refeições junto aos meus pais, meu quarto, minha casa, as gargalhadas com os amigos, as visitas aos parentes, as brigas de domingo em família. Tudo isso me mostra como eu sou rico em amor e que, se eu me esforçar muito, essa distância e saudade valerá muito a pena porque eu tenho uma torcida organizada que luta muito por mim.
Todos podem concordar que cinco dias são demorados. E mais, que cinco dias dentro de um barco são uma perda de tempo. Mas eu acho que não. Penso que tudo que fazemos para o nosso e bem e do próximo é válido. São sensações que não são somente vividas, mas sim guardadas na nossa mente, em nosso coração como parte do que somos. O que vamos nos tornar futuramente remete muito ao nosso passado, em como fomos criados e em como nos tornamos o que somos hoje. Tudo que passamos, sofremos, desistimos e acreditamos.